Em 2080, o Rio de Janeiro pode enfrentar uma combinação de aumento de 3,4°C na temperatura, com elevação de 82 cm no nível do mar e de até 6% no volume de chuvas. Enquanto isso, São Paulo pode ficar 3,9°C mais quente e ter até 13% mais precipitação. O levantamento faz parte do ‘Segundo Relatório de Avaliação sobre Mudanças Climáticas nas Cidades’ elaborado por 120 cientistas da Rede Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Urbanas (Urban Climate Change Research Network – UCCRN). Com divulgação integral marcada para o final de novembro durante a 21ª Conferência das Partes (COP-21), em Paris, o documento teve dados divulgados antecipadamente nesta terça-feira, 13/10, durante o lançamento do Núcleo da UCCRN na América latina (UCCRN-AL), que tem como sede o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).

Liderada por pesquisadores do IOC e do Centro de Estudos Integrados sobre Meio Ambiente e Mudanças Climáticas da Coppe-UFRJ (Centro Clima/Coppe-UFRJ), a iniciativa é a segunda do tipo no mundo. Criada em 2007, a UCCRN reúne mais de 600 cientistas em 150 cidades. Em julho, a rede lançou seu primeiro núcleo regional, em Paris, na França. Agora, o projeto chega à América Latina, com base no Rio de Janeiro. “Esperamos que essa parceria seja frutífera não apenas para os pesquisadores, mas, principalmente, para as nossas cidades. Na América Latina, temos uma densidade populacional muito grande e realidades muito díspares. Por isso, é importante realizarmos estudos específicos sobre os impactos das mudanças climáticas aqui”, disse a pesquisadora do IOC Martha Barata, especialista em impactos do clima sobre a saúde. Responsável por coordenar o Núcleo da UCCRN na América Latina, ela lembra que a Cidade do México, com cerca de 21 milhões de habitantes, e São Paulo, com aproximadamente 20 milhões, estão entre as maiores metrópoles do planeta.

A importância da atuação da rede na América Latina também foi destacada pela cientista norte-americana Cynthia Rosenzweig, uma das diretoras globais da UCCRN. Ela afirmou que mais da metade da população mundial já vive em cidades e esse número deve chegar a dois terços nas próximas décadas. Ao mesmo tempo, as áreas urbanas são responsáveis por 67% das emissões de gases do efeito estufa e devem sofrer graves impactos com o aquecimento global. “Não é mais suficiente apenas escrever relatórios que terminam em prateleiras e nunca mais são lidos. Estamos criando os núcleos regionais para que essas informações sejam partilhadas em uma via de mão dupla com os tomadores de decisões que realmente vão utilizá-las”, declarou.

Da mesma forma que o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) é a base para as ações dos países no tema, o ‘Relatório de Avaliação sobre Mudanças Climáticas nas Cidades’ reúne conhecimento científico com potencial para orientar as ações municipais. A primeira edição do documento foi publicada em 2011 e a nova versão é resultado de quatro anos de pesquisas. Segundo Cynthia, o estudo mostra que, até 2080, a temperatura deve subir entre 1°C e 4°C nas cerca de cem cidades estudadas em diferentes regiões do planeta. Na América Latina, a maior alta é prevista para a Cidade do México, com elevação de até 4,2°C na temperatura. Ao mesmo tempo, o volume de chuvas deve sofrer grandes variações no continente, com queda de até 41% em Santiago, no Chile, e aumento de até 78% em Lima, no Peru. “Temos o melhor cenário e o pior cenário, além dos pontos onde ambos concordam. De qualquer forma, os gestores necessitam estar prontos para todas as possibilidades, e nós precisamos monitorar a situação constantemente para atualizar as previsões”, comentou.

Além de dados atualizados sobre as previsões de mudanças climáticas nas cidades, o documento aborda temas fundamentais para as ações contra o problema, incluindo riscos de desastres, planejamento urbano, estratégias de mitigação e adaptação, questões econômicas e de governança. Coordenado pela pesquisadora Martha Barata, um dos capítulos apresenta as consequências das mudanças climáticas para a saúde das populações. Baseado em diversos estudos científicos, o trabalho aponta que o aquecimento global pode provocar mortes se não forem adotadas medidas de prevenção. “Doenças renais e doenças cardiorrespiratórias estão muito vinculadas a ondas de calor. Já enchentes e deslizamentos estão associados a infecções como hepatite, leptospirose, leishmaniose”, relata a pesquisadora. Para enfrentar o problema, os cientistas recomendam um conjunto de medidas, desde ações ambientais para reduzir a ocorrência de eventos climáticos extremos até a melhoria dos serviços de saúde para atendimento de pacientes. “Sobretudo, é importante pensar as políticas de forma integrada. Uma ação simples como autorizar a construção de um condomínio pode acabar com uma área verde, criar uma ilha de calor e prejudicar a saúde da população”, reforça Martha.

 

A importância das áreas verdes nas cidades é detalhada em outro capítulo do relatório, que trata dos ecossistemas urbanos. Uma das autoras do texto, a paisagista Cecilia Herzog, professora da PUC-Rio, explica que pesquisas demonstram a importância de investir na chamada infraestrutura verde. “A vegetação ajuda a reduzir o calor, protege contra deslizamentos e enchentes, absorve água da chuva e capta gás carbônico, que contribui para o efeito estufa”, enumerou ela, que também apresentou exemplos de ações bem-sucedidas. “Em Nova York, foi executado um projeto de reflorestamento das margens dos rios que abastecem a cidade, melhorando a qualidade da água consumida”, exemplificou.

Incluídos pela primeira vez no documento, os riscos em cidades situadas em áreas costeiras foram discutidos pela urbanista Maria Fernanda Campos Lemos, também professora da PUC-Rio e autora do capítulo dedicado ao tema. Ela lembrou que 10% da população mundial vive em zonas litorâneas de baixa altitude, que estão sujeitas a inundações. Além disso, o valor dos bens em risco nas 136 maiores cidades portuárias do planeta ultrapassa US$ 3 trilhões. Para enfrentar esse risco, algumas cidades já investiram na construção de recifes artificiais, enquanto outras buscam soluções naturais, como a preservação de dunas que podem impedir o avanço do mar. Além de medidas direcionadas para reduzir a ocorrência de inundações, os autores destacam a importância de ações para diminuir as desigualdades socioeconômicas. “A pobreza é um dos fatores mais importantes de vulnerabilidade. Os desastres não são causados por eventos climáticos, mas pela interação deles com os sistemas urbanos”, afirmou.

Parcerias

Lançado em julho, o programa Rio Resiliente, da prefeitura do Rio de Janeiro, foi apresentado no evento pelo presidente do Instituto Pereira Passos e coordenador da Câmara de Desenvolvimento Sustentável do Rio de Janeiro, Sérgio Besserman, e pelo assessor especial da prefeitura do Rio e representante executivo da cidade no grupo C40, Rodrigo Rosa. Segundo Rodrigo, a cidade já aumentou em 25% sua capacidade de resposta a eventos climáticos extremos com a construção do Centro de Operações Rio, que integra cerca de 40 órgãos municipais. O município também possui um programa para reduzir as emissões de gases do efeito estufa, que conta com a parceria do Centro Clima da Coppe-UFRJ. Desde 1999, a unidade realiza um inventário das emissões de gases poluentes na cidade, responsável por orientar as ações municipais. “Ações como a captação de biogás nos aterros sanitários já tiveram impacto reduzindo emissões. Com a criação do Núcleo da UCCRN na América Latina queremos levar essa parceria para além da vertente de mitigação, incluindo a redução de vulnerabilidade e a adaptação da cidade”, avaliou o coordenador do Centro Clima da Coppe-UFRJ, Emilio La Rovere.

ruz, 13/10/2015