Em saúde, o modelo adequado de gestão, incluindo governança, qualidade dos serviços, conformação das redes de atenção, recursos humanos e tecnológicos, passa pelos três níveis de governo. Portanto, é preciso olhar além das fronteiras dos municípios para se perceber que a alternativa viável para o SUS constitucional é a regionalização. Esse foi o tema  tratado nesta entrevista (em versão escrita e em vídeo) com o diretor executivo do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Jurandir Frutuoso. Ele defende a tese de que o SUS de base municipal chegou ao seu limite e esmiúça as razões pelas quais o Conass defende a regionalização. Entre elas, estão a possibilidade de uma governança que defina as responsabilidades de municípios, estados e União e a necessidade de um esforço nacional pela consolidação do SUS que o País necessita.

Região e Redes – O Conass acredita que a regionalização da saúde é o melhor caminho?

Jurandir Frutuoso – O processo de municipalização, após a ditadura, deu-se de forma tensa. Os municípios, diante de um direito e de uma obrigação constitucional, montaram cada um o seu sistema de saúde. Mas agora nós temos necessidade de uma maior complexidade na assistência e necessidade de exercê-la de maneira integral. Está claro que precisamos fortalecer a regionalização da saúde para que isso se efetive.

O Brasil tem hoje cerca de 400 regiões de saúde e está provado que os municípios não dão conta de administrar. Falta estrutura, há deficiência financeira, de recursos humanos e de capacidade técnica. A solução para isso está na gestão regional, com governança bastante competente que una os municípios em regiões. Aí se tem toda a condição de garantir um sistema de saúde como o que está posto na Constituição Brasileira.

RR – Como o olhar integrado sobre região e redes de saúde pode contribuir para a garantia do direito pleno à saúde no Brasil?

JF – Na regulamentação da Lei N° 8.080, quando se definiu o que são as regiões, as competências de cada ente, a estruturação, monitoração e avaliação, criou-se o caminho para efetivar a assistência de maneira integrada.

Várias questões estão sendo colocadas. Como se dá a governança? Qual é a conformação dessa região de saúde? Qual a concepção e a consciência do gestor para que se trabalhe de maneira harmônica com os outros gestores? Qual a obrigação de cada um na questão do financiamento? Tudo isso foi discutido na criação do Decreto N° 7.508, que criou o COAP [Contrato Organizativo da Ação Pública da Saúde].

Mas ficou sempre a preocupação de que para fazer a regionalização de saúde com muita eficiência temos de ter a definição do financiamento claro e suficiente, o que ainda não foi dado pelo governo federal.

JF – Nos três níveis da gestão há diferentes entendimentos sobre a regionalização. Existem posições contraditórias e outras que travam o debate. Como articular um debate em torno do modelo adequado de gestão e planejamento regional que atenda às necessidades e especificidades do Brasil?

JF – A meu ver a resistência entre os municípios é uma coisa vencida. Pelo que se discute, há hoje uma convergência dentro dos municípios de que a regionalização é necessária. A busca do modelo ideal para o Brasil é a efetivação do que está posto nas normas já instituídas.

Penso que se tivermos um pouco mais de foco sobre esse problema veremos que não há outro caminho a não ser uma convergência de pensamentos, uma soma de esforços, uma busca de racionalidade dentro do padrão que se quer efetivar e, então, teremos sucesso nessa implantação. Os pensamentos dos professores Gastão Wagner e Alcides Miranda são interessantes e bastante inovadores, mas hoje eu penso que o novo é a efetivação do velho. Nós temos muitas políticas já lançadas que atuam de forma fragmentada. Então, se o Ministério da Saúde, junto com estados e municípios, buscar fazer a consolidação desse processo, de maneira que possa unificar essas políticas e executá-las de maneira coordenada, teremos o caminho para solucionar o que está aí como desafio para a efetivação do sistema de saúde brasileiro.

RR – Como consolidar tudo isso de modo a sermos assertivos?

JF – Todos os sistemas de saúde passam por revisões a períodos de cada 10 anos. O nosso modelo institucional precisa ser revisto por conta da evolução da sociedade e, depois de 26 anos, é preciso saber que modelo o país quer e quanto a sociedade precisa pagar por isso. Do mesmo modo, o modelo de Atenção também precisa ser revisado. Por isso, não se pode ficar estagnado achando que o mesmo modelo implantado há 26 anos é o ideal. Daí a importância de uma linha dinâmica na condução do sistema. Eu não sei para onde vamos, só sabemos que não é por aí. O caminho colocado anteriormente tem que ser modificado e temos que evoluir na busca do modelo que possa dar essa resposta.

RR – Se a integralidade do gestor é a mesma integralidade do usuário, a regionalização pode ser entendida como um modelo que integra o entendimento do real significado da universalidade para o gestor e o usuário? Bem como um instrumento para minimizar as questões ligadas à judicialização da saúde?

JF – Pode, pois a regionalização define o papel de cada um. Já em relação à judicialização, eu penso ser uma questão bem maior. Precisamos desenhar um jeito de clarear a discussão com o Ministério Público, com o Poder Judiciário, porque como está desagrega o Sistema, desorganiza o orçamento e efetiva para poucos aquilo que poderia ser coletivo. Esse processo já foi mais difícil. Acho que hoje já há uma percepção de maior acessibilidade a esses poderes. A busca de solução terá de ser feita com acordos e compreensão entre a compatibilização da lei e aquilo que o país tem para efetivar o que lhe é cobrado como programação para o serviço de saúde.

RR – Como a regionalização deve entrar nos debates da 15a Conferência Nacional de Saúde? Quais temas devem ser contemplados?

JF – A regionalização vai entrar porque está muito claro no Decreto que regulamentou a Lei N° 8.080. Além disso, o COAP só foi efetivado em dois estados: Ceará e Mato Grosso do Sul. Como temos múltiplos atores em uma conferência de saúde, será inevitável a pergunta sobre por que só dois estados e não a totalidade depois de dois ou três anos do COAP. O que estará entravando e evolução desse processo? Porque não está se dando na sua totalidade? Quem assinou o contrato e o efetivou? Quais são as impressões sobre o que tem ocorrido? Então, várias perguntas têm de ser respondidas mas creio que, dentre elas, vai sobressair a questão do subfinanciamento da saúde.

É praticamente impossível se efetivar, hoje, um contrato organizativo de ação pública de saúde com o recurso que se tem. A colocação da política e sua não efetivação vai ser um debate que vai se dar na Conferência e os motivos são os mais diversos possíveis. Entre eles, a governabilidade do sistema com os recursos postos e a quem compete regularizar o financiamento do SUS no Brasil. Penso que esse é o debate. Não quero dizer que a resposta de tudo está no financiamento. Acho que temos problemas de falta de recursos, problemas de gestão, mas um atrapalha o outro e a definição da intensidade de interferência de um sobre o outro é que vai nortear os debates dessa conferência de 2015.

Portal Regiões e Redes, julho de 2015