A formulação de políticas e programas que promovam a ampliação da qualidade e do acesso às redes de saúde depende não apenas do entendimento dos desafios atuais, como também da antecipação de questões futuras. Para reforçar internamente, na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e setorialmente, na Saúde, a ideia de planejamento em médio e longo prazo, a rede Brasil Saúde Amanhã promoveu no dia 27 de julho o seminário “Iniciativas em Prospecção Estratégica Governamental no Brasil”.
Experiência nacionais e internacionais foram apresentadas durante um dia inteiro de palestras. “A Fiocruz deve ser referência, no campo da Saúde, Ciência e Tecnologia, como instituição que ancora a prospecção estratégica do futuro. É fundamental que todas as unidades e regionais se inspirem na rede Brasil Saúde Amanhã para compor seus planejamentos de longo prazo”, recomendou o presidente da Fundação, Paulo Gadelha, durante o evento.
O presidente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), Mariano Francisco Laplane, esclareceu como se desenvolve a abordagem do futuro. “O leigo tem uma ideia bastante simples do que significa a prospecção estratégica do futuro, como se bastasse tentar adivinhar o que acontecerá nos próximos anos. Mais do que isso, significa refletir sobre aonde queremos chegar, enquanto instituição, sociedade, país. Isso é fundamental para que possamos encontrar os caminhos para realizar, no setor Saúde, o que os brasileiros precisam e demandam. Este é o objetivo da prospecção estratégica”, sintetizou.
Planejamento governamental
O economista José Celso Pereira Cardoso Júnior, técnico em planejamento e pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia, do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), apresentou quatro experiências brasileiras na área. A expertise do Ipea em planejamento estratégico foi exemplificada a partir do projeto “Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro”, conduzido de 2008 a 2010, e da iniciativa “Diálogos para o Desenvolvimento: Estado, Instituições e Democracia”, que contempla o período de 2010 a 2018. Em ambos os casos, foram analisadas as redes de conexões entre a situação atual e as políticas públicas; identificadas sinergias, sobreposições e conflitos entre políticas públicas e destas com os respectivos diagnósticos setoriais; e propostas análises prospectivas do futuro.
Cardoso Júnior expôs também as trajetórias, inovações e desafios dos ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Defesa. O primeiro estudo de caso abordou o Plano Mais Brasil, relativo ao período de 2012 a 2015. De acordo com o pesquisador, na última década, o aumento da renda per capta levou à redução das desigualdades sociais e regionais no país. “Os dados reforçam a importância do Brasil definir que modelo de desenvolvimento pretende seguir e quais objetivos sociais deseja alcançar”, sentenciou. Já o segundo, avaliou o projeto “Defesa 2035: Visão Prospectiva”. A partir de dados nacionais e estrangeiros de diferentes instituições, foram identificadas variáveis que, mesmo classificadas como improváveis, podem impactar fortemente o país em médio e longo prazo. “Os resultados apontam para a necessidade de mais transparência e representatividade nos processos nacionais e de mais soberania nas oportunidades de inserção internacional”, concluiu Cardoso Júnior.
Estudos estratégicos para o desenvolvimento nacional
Mayra Juruá de Oliveira, do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), compartilhou a experiência da organização social em ações de prospecção estratégica voltadas para o desenvolvimento nacional. “Não fazemos estudos de futuro apenas para antever cenários, mas sobretudo para compreender melhor o presente e inferir quais as políticas públicas necessárias para intervir na realidade, entendendo melhor os riscos e oportunidades de cada decisão”, esclareceu. De acordo com a pesquisadora, para realizar esta missão é necessário atuar na interseção entre as áreas de estudos de futuro, avaliações estratégicas do presente e gerenciamento de informação e conhecimento.
“Para isso, combinamos diferentes ferramentas e abordagens, que incluem a análise de redes do conhecimento, a partir de dados da plataforma Lattes; o monitoramento de fontes de informação; e o acompanhamento do estado da arte da produção de conhecimentos, artigos e patentes. O objetivo é gerar subsídios para uma agenda nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação que apoie ações estratégicas para o futuro, como o enfrentamento das mudanças climáticas e a melhoria da qualidade de vida em grandes cidades”, sintetizou.
Novas abordagens para a política industrial
As tendências e proposições de futuro sobre o Complexo Econômico e Industrial da Saúde (CEIS) foram debatidas durante a explanação do coordenador do grupo de pesquisa de Inovação em Saúde da Fiocruz, o economista Carlos Gadelha. O pesquisador apresentou a experiência da política industrial brasileira na última década, a partir das dimensões do território, da saúde e da crise, e apontou possíveis caminhos para o país nas próximas décadas. Para ele, frente ao contexto atual, são necessárias novas perguntas sobre os rumos da política industrial brasileira.
“Para cumprir os princípios da universalidade, equidade e integralidade do SUS é imprescindível uma base industrial forte. Já é hora de reconhecermos a centralidade da indústria no processo de desenvolvimento nacional. Os serviços de maior valor agregado, com mais conhecimento e tecnologia, são dinamizados pela indústria. Um setor de serviços forte depende de uma indústria nacional bem desenvolvida para que haja produtividade e, consequentemente, distribuição de renda e redução das desigualdades sociais. A emergente área da medicina personalizada, por exemplo, tem grande potencial para aumentar as desigualdades no acesso aos serviços e tratamentos. Como lidaremos com isso?”, questionou.
Carlos Gadelha reconheceu as dificuldades em implementar políticas estratégicas de longo prazo num cenário em que ações públicas são submetidas à lógica do curto prazo. “Esta é uma fragilidade importante no campo das políticas públicas brasileiras e a abordagem da prospecção estratégica do futuro é essencial nesse sentido. É fundamental que, nas próximas décadas, o Brasil consiga tirar a política industrial do isolamento do crescimento econômico e envolvê-la no campo social. Em outras palavras, a visão da Saúde deve presidir a forma de se pensar e organizar as políticas públicas. O setor gera emprego, renda, bem-estar e o investimento na área é estratégico para a economia brasileira. O SUS é um grande exemplo de política sistêmica, que articula crescimento econômico e bem-estar social, e deve ser valorizado e priorizado como oportunidade de desenvolvimento nacional”, defendeu.
Desafio tecnológico
Além de estarem predominantemente restritas ao curto prazo, as políticas públicas no Brasil, muitas vezes, enfrentam resistência em explorar determinadas áreas do conhecimento. Segundo a pesquisadora Marina Szapiro, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), este é o caso da Ciência, Tecnologia e Inovação. A conclusão é sustentada por um estudo comparativo, desenvolvido pelo CGEE e o Centro de Altos Estudos Brasil Século XXI, que mostra o avanço deste campo no Brasil, Estados Unidos, Japão, Alemanha e China.
A pesquisadora da UFRJ defende que o processo de desenvolvimento tecnológico não é neutro, pelo contrário, fortemente baseado em uma visão sistêmica, com papel importante do Estado. “Nas economias mais bem sucedidas, o papel do Estado foi muito além da criação de infraestrutura e do estabelecimento de regras de funcionamento dos mercados. Sempre teve uma ação proativa na criação de novas áreas econômicas antes que setor privado percebesse potencial de crescimento”, ressaltou Marina. O desenvolvimento do Vale do Silício, da indústria farmacêutica e da nanotecnologia nos Estados Unidos são alguns dos exemplos apresentados pela pesquisadora que evidenciam a importância de ações dos governos para a dinâmica virtuosa dos mercados nacionais.
Equipe Brasil Saúde Amanhã, 01/08/2016