Doenças crônicas não transmissíveis, acidentes de trânsito, violências, desigualdades socioeconômicas e iniquidades no acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS). Esses são os principais desafios para o setor Saúde no horizonte dos próximos 20 anos, de acordo com os resultados da última Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada em 2013 pela Fiocruz e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os resultados, publicados em novembro em um suplemento especial do International Journal for Equity in Health, foram apresentados na última quarta-feira, 07 de dezembro, no Centro de Estudos do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz).

Na abertura do evento, a diretora de Vigilância a Doenças e Agravos Não Transmissíveis do Ministério da Saúde, Fátima Marinho, reconheceu o protagonismo da Fiocruz na identificação de problemas e na geração de soluções para o SUS. “Agradecemos a todos os pesquisadores envolvidos na produção de conhecimentos que subsidiarão a resposta nacional às doenças crônicas não transmissíveis e ao enfrentamento das violências. A partir dos dados disponibilizados pela PNS, poderemos intervir com mais precisão sobre os determinantes sociais da saúde, de forma a minimizar as iniquidades. Agora, estamos na fase final de organização da próxima edição do inquérito, que deve acontecer em 2018”, afirmou.

O diretor do Icict, Umberto Trigueiros, reforçou o compromisso da Fiocruz e da unidade no aprimoramento do SUS. “O desenvolvimento da PNS está no cerne da missão da Fiocruz e do Icict. Realizar a produção, a análise e a divulgação desses dados é o que nos permite exercer o papel da Fiocruz, como instituição estratégica de Estado, de promover a saúde da população e prospectar os cenários futuros do Brasil e do sistema de saúde. Nosso compromisso é com a garantia da saúde e da qualidade de vida das pessoas”, enfatizou.

A PNS é um estudo nacional de base domiciliar que investigou dados sobre a autopercepção do brasileiro em relação à saúde e às condições de acesso ao sistema, em uma amostra de mais de 80 mil domicílios da base da Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (PNAD). Confira a síntese dos 14 artigos publicados no periódico International Journal for Equity in Health.

Panorama das iniquidades em saúde no Brasil

Nos últimos 30 anos, o Brasil vivenciou transformações intensas em termos de desenvolvimento socioeconômico, urbanização e assistência à saúde. Por outro lado, com o envelhecimento populacional e as mudanças no perfil de morbimortalidade, as doenças crônicas não transmissíveis e as causas externas, como violências e acidentes de trânsito, vêm se tornando as maiores preocupações do sistema de saúde e apontam novos desafios para o futuro. Os resultados da PNS 2013, apresentados por Celia Landmann e James Macinko, editores do suplemento especial do International Journal for Equity in Health sobre o tema, detalham este quadro.

Célia explicou que os estudos epidemiológicos têm procurado explicar as desigualdades na saúde da população segundo fatores sociais e econômicos como renda, ocupação, educação, habitação e ambiente – os chamados “determinantes sociais da saúde”. “O principal argumento para a redução das desigualdades em saúde é o da equidade, princípio do SUS que incorpora a dimensão da justiça social. Entretanto, na prática, os princípios de justiça social não se traduzem, necessariamente, em ações concretas para redução das desigualdades. Nesse sentido, a equidade em saúde tem se voltado para a garantia do acesso ao sistema de saúde”, afirmou.

O pesquisador da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), James Macinko, destacou como as diferenças socioeconômicas presentes na população brasileira impactam o cuidado aos idosos. “Um traço relevante do perfil de cuidado à saúde no Brasil é que, entre os mais pobres, o cuidado aos idosos é realizado majoritariamente pela família e por amigos, enquanto as pessoas em melhor situação socioeconômica têm maior acesso aos serviços de saúde, seja pelo sistema público ou privado. Também percebemos que os idosos com melhor nível socioeconômico relataram menor necessidade de ajuda para realizar atividades cotidianas, indicando mais independência, autonomia e, portanto, melhor qualidade de vida”, ressaltou.

Enfrentar desigualdades requer investimento

O Centro de Estudos do Icict também contou a conferência “Implicações nas políticas públicas: avanços e desafios a serem enfrentados”, proferida pelo sanitarista Paulo Buss, diretor do Centro de Relações Internacionais da Fiocruz e ex-presidente da Fundação. Buss analisou o cenário político e social do Brasil no contexto da iminente aprovação da PEC 55, que tramita no Senado Federal e prevê a imposição de teto financeiro aos gastos públicos com Saúde e Educação nos próximos 20 anos.

“As políticas de proteção social empreendidas no Brasil nos últimos 30 anos, dentre elas o SUS, trouxeram avanços econômicos e sociais importantes. No entanto, mantiveram intacto o sistema produtor de desigualdades e iniquidades. Este é um sistema concentrador de renda, excludente e ecoagressivo. Qualquer retrocesso, em qualquer das políticas ou mesmo em qualquer um de seus mecanismos, trará desastrosas consequências para a situação econômica, social e sanitária da população brasileira”, avaliou Buss.

A médica Deborah Carvalho Malta, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e uma das idealizadoras da metodologia adotada pela PNS 2013, ressaltou que o inquérito é um patrimônio da Saúde Pública brasileira. “O suplemento nos traz muitos indícios para pensar o futuro do país, sobretudo diante da possibilidade de um ajuste fiscal que imporá limites ao investimento em Saúde. Uma das vitórias apontadas pela Pesquisa é a constatação de que não há diferenças significativas no nível de acesso ao exame papanicolau entre as regiões brasileiras. Esta é uma conquista histórica do SUS, a maior política social de nosso país, que agora se vê ameaçada pela PEC 55”, declarou.