O futuro do trabalho em Saúde dependerá do papel do Estado, do fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e da adoção de políticas públicas cidadãs. Essa é a conclusão do seminário “O Brasil depois da pandemia: transformações do trabalho em Saúde”, promovido dia 12 de julho pela iniciativa Brasil Saúde Amanhã, com transmissão on-line pela VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz. Durante o evento, Henrique Amorim, professor de Sociologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); Francisco Campos, pesquisador da Fiocruz Minas; e Maria Helena Machado, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) apresentaram três novos Textos para Discussão, disponíveis em acesso aberto no portal Saúde Amanhã. E o coordenador executivo da iniciativa Brasil Saúde Amanhã, Leonardo Castro, que é pesquisador da Ensp/Fiocruz, compartilhou resultados recentes do projeto “Implicações das tecnologias digitais para os sistemas de saúde”, desenvolvido em parceria com a Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030 e a Ensp/Fiocruz.
Novos Textos para Discussão
Amorim expôs a síntese do TD 63 – O futuro do trabalho: entre novidades e permanências, que aborda as transformações nos processos produtivos, os conceitos de empreendedorismo e neoliberalismo, a plataformização do trabalho, a financeirização da produção e o futuro prospectivo do trabalho. O pesquisador destacou que, a partir da década de 70, construiu-se um ideário em torno da tecnologia, com previsões de futuro otimistas. “Teríamos tempo livre, mais lazer, menos desigualdade social e mais capacidade de governança estruturada. Porém, as organizações produtivas de nossa sociedade ainda estão baseadas em princípios industriais. O trabalho nas empresas contemporâneas se estrutura sob os mesmos princípios gerais do capitalismo, a despeito das diversas mudanças que ocorreram ao longo dos últimos anos. Essa forma persiste por dois motivos: uma massa de trabalhadores sujeitas a um ‘mando’ com conexões centralizadas e meios de produção ainda bastante concentrados”, explicou.
A partir do TD 64 – Profissões e Mercado de Trabalho em Saúde: perspectivas para o futuro, Campos discutiu as mudanças na formação dos profissionais de saúde e dos paradigmas educacionais relacionados aos desafios atuais. Dialogando com Amorim, ressaltou a ampliação do “trabalho morto” (automatizado) em detrimento do “trabalho vivo” (como o atendimento e o cuidado presencial) na saúde, a fragmentação dos serviços da área em especialidades, e a “pejotização” dos trabalhadores (vistos apenas como prestadores de serviços). Para o pesquisador, esses elementos caracterizam uma nova forma de atendimento, que se assemelha ao modelo das cadeias de fast food, o fenômeno fast health – modelo amplamente utilizado na pandemia. “A telessaúde deveria ser mais direcionada à atenção primária no setor público, que sofre com grandes disparidades regionais. Mas acabou se transformando num grande filão comercial”, avaliou.
Maria Helena Machado aprofundou questões abordadas por Campos, como a concentração de profissionais de saúde no Brasil. “A região Norte tem apenas 4,5% de todos os médicos do país, que prestam assistência em sete estados, e 7,6% de profissionais da enfermagem – sendo que, por lá, os óbitos desses profissionais chegam a 16% (quase quatro vezes maior). Já o Sudeste tem 53% dos médicos do Brasil, sem esta mesma correlação com a mortalidade”, informou. A pesquisadora também destacou a precarização das condições de trabalho no setor Saúde. “A pandemia, um evento histórico tão determinante, evidencia a responsabilidade do Estado no cuidado à população em geral e aos trabalhadores da saúde em particular, bem como na oferta e garantia de insumos, como vacinas, medicamentos, equipamentos. Os dilemas postos só poderão ser solucionados com o fortalecimento de políticas públicas cidadãs, que respeitem os princípios constitucionais do SUS”, defendeu.
Implicações das tecnologias digitais para os sistemas de saúde
Ao compartilhar os resultados do projeto Implicações das tecnologias digitais para os sistemas de saúde, Leonardo Castro mostrou diversos trabalhos publicados sobre o tema e destacou dois. O primeiro, com base em pesquisa bibliométrica, descreve três grandes períodos determinados pelas mudanças tecnológicas em saúde: Informática Médica (1991-2000), Informática da Saúde (2001-2010) e E-health (2011-2020), com destaque para o termo digital health, que emerge como temática a partir de 2015. “O futuro da digital health, que corresponde à década que se inicia agora, está muito calcado nas tecnologias de aprendizado profundo (deep learning) e de aprendizado de máquina (machine learning)”, afirmou. O outro, em parceria com o Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, acionou 1.430 especialistas em todo o mundo por meio de uma websurvey. “A maioria dos participantes concorda que a inteligência artificial vai gerar profundas mudanças neste período”, resumiu.
Olhando para o futuro, Leonardo apontou para o debate sobre uma Política Nacional para a transformação digital no Brasil, que contemple o impacto dessas tecnologias no trabalho em saúde, considerando as desigualdades sociais do Brasil e as características de nosso sistema de saúde, que envolve um mix público-privado. “Além de considerar os muitos desafios no campo da regulação, temos que fortalecer o diálogo sobre o tema entre nós, pesquisadores do campo da Saúde Coletiva”, concluiu.