O pesquisador do Grupo de Estudos em Gestão e Avaliação em Saúde do Instituto de Medicina Integral (IMIP),  Fernando Figueira, explica nesta entrevista o papel da Vigilância em Saúde na Atenção à Saúde e a importância da mobilização em torno do tema da regionalização proporcionada pela pesquisa Região e Redes “A construção de consensos e estratégias regionais é uma solução fundamental que permitirá ao SUS superar as restrições de acesso, ampliando a capacidade de atender às necessidades e anseios sociais”, afirma

Região e Redes – Qual o papel da Vigilância em Saúde na Atenção à Saúde?

Eronildo Felisberto – O escopo de atuação da Vigilância em Saúde (VS) vem sendo ampliado no decorrer dos anos e, com isso, seu papel na atenção à saúde tem se tornado cada vez mais importante e imprescindível, principalmente diante dos novos desafios decorrentes das transformações da sociedade moderna. A VS é responsável por ações de vigilância, prevenção e controle de doenças, agravos, e seus fatores de risco, devendo atuar, prioritariamente, com ações de prevenção e promoção da saúde, monitoramento epidemiológico das doenças e agravos (transmissíveis e não transmissíveis), atividades sanitárias programáticas, vigilância de riscos ambientais e saúde do trabalhador, elaboração e análise de perfis epidemiológicos para subsidiar a análise da situação de saúde e com a proposição de medidas de controle, dentre outras ações.

RR – Qual a responsabilidade dos entes federativos em relação à vigilância em saúde e como isso se dá na prática?

EF – A Portaria 1.378, de 2013, regulamenta as responsabilidades e define diretrizes para execução e financiamento das ações de VS pela União, estados, Distrito Federal e municípios, relativos ao Sistema Nacional de Vigilância em Saúde.

Assim, compete à União, por meio do Ministério da Saúde e da Secretaria de Vigilância em Saúde, a coordenação do Sistema Nacional de Vigilância em Saúde. Aos estados, cabe a coordenação do componente estadual do Sistema, no âmbito de seus limites territoriais e de acordo com as políticas, diretrizes e prioridades estabelecidas. Já aos municípios, cabe a execução das ações no território, no nível micro de atuação.

O desenho de descentralização adotado pela VS incentiva que os municípios assumam a responsabilidade pela gestão e execução das ações básicas não compartilhadas de VS e que as atividades compartilhadas devem ser pactuadas entre os municípios e o estado na Comissão Intergestores Bipartite, considerando o desenho de regionalização, a rede de serviços e tecnologias disponíveis e o desenvolvimento racionalizado de ações mais complexas.

RR – Há variação regional no papel dos entes federados? Quais e em que intensidade?

EF – A VS passou a ter maior espaço nas políticas de saúde a partir dos anos 1970. Nos últimos anos, vem conquistando maior organicidade de forma muito cadenciada, mas ainda permanece na dependência do processo de amadurecimento recente da democracia brasileira. Este processo proporcionou maior participação de atores e organizações acadêmicas e da sociedade civil no debate e aprimoramento das políticas.

As variações e a intensidade com que estas se dão nos diferentes entes da federação estão, portanto, vinculados à esse processo – há especificidades regionais de acesso democrático ao conhecimento e à pluralidade de compreensão dos problemas decorrentes dos determinantes sociais de saúde e doença. Para se entender essa questão é preciso ir além do descrito e previsto nos documentos legais e considerar as práticas cotidianas, ou seja, os processos de trabalho concretos que são efetivamente realizados pelos diversos componentes do Sistema de Saúde no Brasil. Neste sentido, consideramos extremamente oportuna a realização da pesquisa Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil e toda a mobilização que vem se dando em torno da mesma.

RR – Como a descentralização e a regionalização evoluíram nos períodos recentes?

EF – O que se percebe diante da análise dos atos normativos da VS nos últimos anos é que a descentralização das ações para o nível municipal foi incentivada de forma mais direta pelo Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), inclusive com a instituição de repasse fundo-a-fundo para os municípios de acordo com o porte populacional. Esse fato tem sido ratificado por meio de estudos que têm apontado a Portaria Ministerial 1.399, de 1999, como o marco do processo de descentralização das ações de vigilância.

Essa Portaria favoreceu o interesse dos municípios em descentralizar as ações, uma vez que os recursos passaram a ser transferidos diretamente do Fundo Nacional de Saúde para o Fundo Municipal de Saúde, sem, no entanto, considerar variáveis importantes ligadas ao desempenho e à efetividade da gestão e dos processos de trabalho decorrentes. No que diz respeito à regionalização da VS, parece-me que esse ainda é um terreno incerto. Esperamos que essa pesquisa possa nos proporcionar um panorama geral de como esse processo vem acontecendo no Brasil, uma vez que a VS ainda carece de estudos nessa temática.

RR – Quais são os principais entraves para a regionalização na sua opinião?

EF – Percebemos que existe uma lacuna normativa no que se refere ao processo de regionalização da VS. Apesar de a VS ser citada nas portarias, decretos e normas que estabelecem o processo de regionalização como a nova estratégia a ser seguida, a forma como operacionalizar ainda é muito incipiente. Alguns estados/regiões de saúde têm seguido estratégias próprias nesse sentido e isso também queremos mapear por meio da pesquisa Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil.

RR – Como a regionalização pode fazer avançar a  vigilância em saúde?

EF – As ações e os serviços de saúde, da forma como encontram-se estruturados, tendo como base a escala municipal, apresentam-se insuficientes à população brasileira. Existem no Brasil milhares de municípios que não possuem em seus territórios condições de oferecer serviços de saúde adequadamente. Por outro lado, existem municípios que se tornam referência e garantem o atendimento da sua população e de municípios vizinhos. Em áreas de divisas interestaduais, são frequentes os intercâmbios de serviços entre cidades próximas, mas de Estados diferentes. Por isso mesmo, a construção de consensos e estratégias regionais é uma solução fundamental que permitirá ao SUS superar as restrições de acesso, ampliando a capacidade de atender às necessidades e anseios sociais.

Para a VS, alguns serviços podem ser disponibilizados em escala regional, tais como laboratórios de saúde pública, centros de controle de zoonoses, câmaras frias para armazenamento de imunobiológicos, centros de referência para imunobiológicos especiais, centrais de armazenamento e distribuição de equipamentos, centros de armazenamento de inseticidas, serviços de verificação de óbitos, serviços de saúde com capacidade de realização de procedimentos de alta e média complexidade, dentre outros, considerando-se aqui as regras de economia de escala. Entretanto, consideramos que, para conseguirmos avançar nesse processo, é imperativo existir, entre os entes federados, o princípio da solidariedade, para além do compromisso dos gestores e do atendimento aos preceitos legais e normativos.

Felisberto é também vice-coordenador do Programa de Pós-graduação em Avaliação em Saúde do IMIP e consultor na área de Gestão, Avaliação e Vigilância em Saúde.

Portal Regiões e Redes, novembro de 2015