Os cenários econômicos para o Brasil nas próximas décadas e seus impactos para a Saúde estiveram em pauta durante o seminário “Brasil Saúde Amanhã: horizontes para os próximos 20 anos”, realizado em setembro, na Fiocruz. Integrando o painel “Desenvolvimento, Políticas Sociais e Saúde”, o pesquisador Pedro Rossi, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), discutiu o acirramento da disputa entre as agendas neoliberal e de bem-estar social no país e defendeu a continuidade de um modelo de crescimento pautado pela distribuição de renda e inclusão social. Nesta entrevista ele aponta tendências globais e de longo prazo para a Saúde e afirma: “É necessário que o Estado e a sociedade brasileira defendam rigorosamente o pacto social da Constituição Federal, o estado de bem-estar e o caráter público da Saúde”.

Considerando a atual conjuntura global, quais são os cenários econômicos para o Brasil no horizonte dos próximos 20 anos?

A atual conjuntura global decorre de uma crise internacional deflagrada após um grande ciclo de expansão do capitalismo, durante os anos  2000, quando os países centrais cresceram de forma sustentada. Ao longo desse período, o Brasil alcançou resultados econômicos positivos, seja através da venda de commodities ou dos fundos de capital que abundavam no país. Porém, esse cenário não retornará. Após a crise de 2008, estamos vivendo outra situação no contexto global: a concorrência estrangeira é muito maior, com uma disputa acirrada por mercados; o crescimento no centro do sistema é muito baixo e deve se manter reduzido nos próximos anos ou décadas. Por isso, precisamos procurar outras fontes de dinamismo. Nos próximos anos, o Brasil provavelmente apresentará um crescimento mais baixo que nos anos 2000, quando tivemos um ciclo de crescimento forte, especialmente entre 2004 e 2011. Esse crescimento dificilmente voltará.

O estudo “A Saúde no Brasil em 2030: Diretrizes para a Prospecção Estratégica do Sistema de Saúde Brasileiro” traça cenários para o crescimento econômico do país. Um deles, o cenário pessimista, indica o crescimento de 0,3% ao ano, em paridade à taxa de crescimento populacional, o que levaria à estagnação do PIB per capta. Por outro lado, o cenário conservador aponta o crescimento em torno de 2% ao ano – uma taxa inferior às dos últimos 15 anos, mas superior ao crescimento demográfico. Este cenário, hoje, é o mais provável. A perspectiva é que a taxa de crescimento se estabilize entre 1% e 2% ao ano.

Quais os impactos dessas tendências econômicas para o financiamento da Saúde?

Evidentemente o financiamento da Saúde depende do crescimento econômico do país – mas depende, também, das escolhas da sociedade brasileira. Distintas agendas de crescimento e desenvolvimento estão em disputa no país e, sobretudo em um ano de crise, a tendência é que essa disputa se agudize. É muito forte, no país, a agenda neoliberal, que defende a mercantilização dos bens sociais e a desconstrução das políticas sociais universais, com a privatização dos bens públicos. Se a agenda neoliberal ganhar ainda mais força, provavelmente os cenários para a saúde pública não serão os melhores. Diante disso, certamente viveremos uma contração na disponibilidade de recursos para a saúde pública.

Como parte desse processo, a abertura da Saúde ao capital estrangeiro, recente no Brasil, emerge como estratégia neoliberal para a privatização dos espaços públicos. O neoliberalismo é, de certa maneira, um concorrente do estado de bem-estar social, pois entende os bens públicos como potenciais esferas de acumulação de capital, que poderiam gerar mais lucro. Então, a ofensiva neoliberal avança no sentido da desconstrução dos bens púbicos e da redução da participação do Estado no setor Saúde. Essa é uma tendência global. O Brasil resistiu a ela amparado pela Constituição Federal de 1988, que garante a saúde como um direito de todos e um dever do Estado. Esse movimento está se aprofundando e resistir a ele requer o amplo debate e a formação de consensos em torno da necessidade de um sistema público de saúde.

Como as agendas neoliberal e de bem-estar social concorrem, hoje, no Brasil e quais são as tendências para as próximas décadas?

Essas agendas convivem. A agenda neoliberal esteve muito presente na década de 1990, perdeu força ao longo dos anos 2000, mas nunca deixou de influenciar as decisões políticas do país. E nos últimos dois anos ela tem se fortalecido de forma mais explícita. Essa agenda opera a partir do entendimento do desenvolvimento como resultado da livre circulação de mercadorias e da livre operação do mercado, em que a interferência do Estado levaria à alocação inadequada dos recursos. A agenda de bem-estar social, por sua vez, pressupõe a ação decisiva do Estado, inclusive e sobretudo na alocação de recursos e no provimento de bens públicos. Essa agenda esteve muito presente nos últimos governos, mas agora, em minha opinião, há uma ofensiva contra ela. De toda forma, essa disputa está em aberto. Eu, pessoalmente, não acredito em uma vitória plena da agenda neoliberal ou, pelo menos, acredito que essa vitória não será fácil. Há, na sociedade brasileira, uma demanda muito forte pelos bens públicos e especialmente pela saúde pública. Há, também, movimentos sociais capazes de articular força política para defender o papel central da saúde, garantindo-a como direito de todos e dever do Estado. Na atual conjuntura, é necessário que o Estado e a sociedade brasileira defendam rigorosamente o pacto social da Constituição Federal, o estado de bem-estar e o caráter público da Saúde.

Em longo prazo, é possível dar continuidade a um modelo de crescimento pautado pela distribuição de renda, inclusão e desenvolvimento social? Que políticas e ações estratégicas devem ser implementadas nesse sentido?

O Brasil precisa de uma agenda para sustentar o crescimento econômico. Em uma sociedade capitalista, o crescimento econômico é imprescindível para que as tensões se reduzam e seja possível financiar o estado de bem-estar social e dar andamento a um projeto distributivo. O país tem, hoje, algumas frentes com grande potencial de crescimento. Uma delas é a infraestrutura produtiva, de transportes, urbana e logística, que concentra grande demanda reprimida em todo o território nacional. Outra frente de crescimento seria o investimento em infraestrutura social; em saúde, educação, saneamento, moradia, transporte. O investimento nestas áreas tem efeitos dinâmicos no curto prazo e é capaz de aumentar o crescimento econômico rapidamente, pois implica o consumo intermediado do governo, o aumento das compras públicas e pode, ainda, ser um vetor para a política industrial. No longo prazo, os resultados são o aumento da competitividade produtiva, devido à melhoria do nível educacional, da saúde e da qualidade de vida dos trabalhadores. Por isso, o investimento em infraestrutura social deve fazer parte da agenda de crescimento do país. Um outro vetor de crescimento são as cadeias produtivas do petróleo, cujo enorme potencial pode ser ou não aplicado na garantia do estado de bem-estar social. E o Brasil tem, ainda, a capacidade de desenvolver a indústria naval, de base, de equipamentos, de insumos, de materiais e de serviços especializados.

Como a Saúde, por meio de seu Complexo Econômico e Industrial, pode responder a esse cenário de forma a gerar, em longo prazo, tendências de crescimento econômico e desenvolvimento social para o país?

Na estrutura produtiva do país, o Complexo Econômico e Industrial da Saúde se insere no campo da infraestrutura social. A Saúde tem articulações econômicas e encadeamentos produtivos muito importantes com diversos outros setores sociais e dentre eles está o setor industrial. É possível e necessário articular esses dois setores de forma a substituir importações, melhorar a balança de pagamentos, gerar empregos. O setor público é um grande comprador de serviços na área da Saúde e isso significa uma ampla oportunidade de crescimento para a indústria. A Saúde é um caminho oportuno para o desenvolvimento econômico, porque pode dinamizar setores produtivos. No curto prazo, o consumo do setor Saúde pode gerar efeitos importantes sobre o crescimento do país, por meio das volumosas compras públicas. No longo prazo, com o bem-estar da população, o efeito tende a ser o aumento da produtividade. Portanto, a Saúde é um setor estratégico para o país e é estratégico, para o país, que este setor se mantenha essencialmente público.

Qual a importância de uma iniciativa como a rede Brasil Saúde Amanhã, que investe na abordagem da prospecção estratégica do futuro como metodologia para a definição de políticas públicas de Saúde?

O desenvolvimento de um país é um processo construído; não é um processo espontâneo, decorrente de forças do mercado ou sistemas econômicos e sociais naturais. É, essencialmente, um processo construído. Por isso, é preciso prospectar o futuro, olhar adiante para compreender este processo em uma perspectiva de longo prazo. Um planejamento estratégico depende da capacidade de olhar adiante, por isso as contribuições da rede Brasil Saúde Amanhã são tão valiosas. Por mais que o cenário prospectado esteja sujeito a erros, é importante desenhar hipóteses de futuro, para que a partir delas possamos definir políticas públicas e de desenvolvimento. Com estudos como esses, podemos articular políticas de curto, médio e longo prazo, sempre na direção do crescimento do país e do desenvolvimento social. Assim podemos superar as impossibilidades do curto prazo e plan

Bel Levy
Saúde Amanhã
13/10/2015