Com auditório do Hotel Braston, em São Paulo, lotado, e transmissão ao vivo pela tevêFPA, a segunda-feira, 28 de setembro, assistiu ao lançamento do documento Por um Brasil Justo e Democrático, elaborado de forma colaborativa por mais de uma centena de especialistas. Iniciativa das entidades Brasil Debate, Centro Internacional Celso Furtado de Políticas Para o Desenvolvimento, Fundação Perseu Abramo (FPA), Fórum 21, Le Monde Diplomatique Brasil, Plataforma Política Social e Rede Desenvolvimentista, o documento contrapõe o discurso hegemônico construído hoje de que políticas de austeridade focadas no curto prazo, como o ajuste levado a cabo atualmente, seriam o caminho para que o país volte a crescer.

O economista Marcio Pochmann, presidente da FPA e primeiro a falar durante a cerimônia, apontou em que sentido Por um Brasil Justo e Democrático rema contra a maré: “Este documento é uma contribuição ao debate, contribuição que se opõe ao terrorismo do curto-prazismo, que insere a lógica dos mercados financeiros e bursátil na atuação de governos. A lógica de curto prazo diz respeito aos mercados especulativos, mas não faz parte das famílias, das decisões das empresas e da decisão do indivíduo. Todas estas atribuições do cotidiano dos diferentes brasileiros estão comprometidas com uma perspectiva de longo prazo. Esta ditadura do curto prazo nos faz pensar pequeno, nos faz abandonar o compromisso com o futuro. O Brasil é um país em construção, um país que apenas dá os primeiros passos da democracia, e portanto acreditamos que o nosso futuro não pode ser distanciado por oposições ou por posições que focam apenas no curto prazo. Nós precisamos ter clareza de que quando alguém aponta para a lua, não pode ficar focado em seu próprio dedo. É preciso ter uma visão de conjunto e, neste sentido, o Brasil tem uma oportunidade como poucos tiveram.”

Conjuntura

O economista Pedro Rossi, membro do conselho editorial do Brasil Debate, ficou incumbido de apresentar a primeira parte do documento, com um breve diagnóstico da conjuntura brasileira. Segundo ele, há uma leitura dominante que tenta apontar culpados para a crise pela qual passamos. Por esta leitura, ela seria de um intervencionismo do Estado, do aumento dos salários, da nova matriz macroeconômica e do experimento desenvolvimentista. “Nós rejeitamos ou não compartilhamos deste diagnóstico e elaboramos aqui nossa própria narrativa sobre os fatos recentes para, a partir dela, colocar proposições e dar direções para o nosso desenvolvimento”.

Rossi seguiu apresentando o que chamou de “modelo virtuoso de crescimento”, aquele vigente entre 2005 e 2011, que combinou um razoável desenvolvimento econômico com distribuição de renda. Segundo ele, esse modelo foi apoiado na construção de um mercado de consumo de massas, principalmente através da distribuição de renda e do crédito, com um efeito dinâmico. “A distribuição de renda foi funcional ao desenvolvimento brasileiro e mostrou que não há oposição direta entre salário e emprego. No Brasil, os salários cresceram e os empregos cresceram, ao contrário do que diz a teoria ortodoxa. Os salários cresceram e a produtividade acompanhou o crescimento por um bom período – a produtividade é endógena ao ciclo econômico”.

Para os que advogam que este modelo gerou um crescimento artificial puxado pelo consumo, Rossi rebate. “Nós não concordamos com este diagnóstico. O investimento cresceu sistematicamente a taxas mais elevadas que o consumo, à exceção dos anos de 2009 e dos anos recentes, 2012 e 2014. Também não é verdade que foi apenas um ciclo de commodities. O crescimento, no governo Lula, teve sim apoio de um bom cenário externo, mas foi o mercado interno, em particular investimento e consumo, que puxaram o dinamismo brasileiro. Assim foi o ciclo virtuoso, que combinou crescimento robusto com uma forte distribuição de renda e uma forte redução da pobreza.”

Rossi afirma que este desenvolvimento teve lacunas por ser muito mais inclusivo pelos bens públicos que pelos privados, pelo consumo que pelo lado dos direitos; também teve deslizes, em particular uma falta de sintonia entre a política macroeconômica e as políticas industriais e de crédito “a taxa de câmbio teve um papel negativo para nossa estrutura industrial; se quisermos usar as palavras de Celso Furtado, podemos dizer que o Brasil teve uma modernização dos padrões de consumo sem a devida modernização da estrutura produtiva”. Isso teria feito com que perdêssemos o dinamismo industrial, aumentando as importações. Segundo ele, a crise internacional levou a um agravamento deste problema.

Problemas na condução da política econômica também foram apontados. “Nós discutimos neste documento erros na condução da política econômica, em particular as desonerações, não em si, mas pela ausência de uma definição estratégica, de uma contrapartida de expectativa de crescimento que pudesse financiar esse programa de desoneração. Essa política não deu o resultado esperado em termos de crescimento: os setores beneficiados, em sua maioria, engordaram as margens de lucro, não investiram e não deram à sociedade o retorno que era esperado. Talvez fosse mais importante fazer um programa de gastos que um de desonerações, pois o efeito sobre a renda teria sido muito melhor. E estas desonerações geraram um problema de queda na arrecadação que se somou à queda no crescimento brasileiro. Isso não seria tão grave se não fosse usado pelo discurso dominante para criar um clima de terrorismo fiscal como foi criado no Brasil. Não havia nada desastroso na situação fiscal brasileira em 2014.”

Rossi afirma que o corte de gastos implementado no ano de 2015 fez com que o Estado impactasse negativamente o crescimento econômico, diminuindo ainda mais a demanda agregada, e que, neste contexto, responsabilidade fiscal é recuperar o crescimento e recuperar as receitas, não fazendo com que estas caiam; e irresponsabilidade fiscal é jogar o país em uma recessão. “O risco que corremos aqui – com este ajuste recessivo fiscal e monetário, e outras medidas na mesma direção – é dar uma marcha a ré social e ajustar a economia com aumento de emprego e redução de salário e direitos sociais, uma estratégia equivocada e ultrapassada que historicamente nunca funcionou para nenhum país. Há necessidade de mudança da política econômica e felizmente há alternativas possíveis em curso”.

Mudanças econômicas

Colaborador da FPA, o economista Guilherme Mello, da Rede Desenvolvimentista, apresentou os principais pontos enquanto alternativas no campo econômico para a superação da recessão atual, mas também enquanto políticas de longo prazo, que deem suporte a um projeto de desenvolvimento que diminua as desigualdades e inclua as pessoas na cidadania. Dentre as propostas de curto prazo, o economista apontou como prioridades a preservação do emprego e da renda, o que seria capaz de manter a arrecadação pública; a preservação dos gastos sociais e o fortalecimento do mercado interno, de modo a não reduzir a demanda e aprofundar a recessão.

Segundo ele, o documento também aponta para a necessidade de abertura da discussão das políticas macroeconômicas atuais. “No caso da política fiscal, nós defendemos como medida de curto prazo a adoção de uma banda fiscal, defendemos a retirada do superávit fiscal dos investimentos públicos, pois os investimentos públicos se autofinanciam, na medida em que geram emprego, renda e novos impostos. As propostas giram em torno da necessidade de recuperar a capacidade de financiamento do setor público através de medidas que recuperem o crescimento, a arrecadação pública e a estrutura tributária, que hoje é um dos maiores fatores de concentração de renda no país”.

O documento também defende a redução da taxa de juros. Para Mello, o aumento da inflação decorre de um choque de custos – aumento conjunto de uma série de tarifas públicas – e não pode ser combatido com aumento da taxa de juros, que já acumula 8% do PIB anualmente. Além disso, o documento propõe a regulação do mercado cambial, de modo de evitar a especulação nos mercados futuros de câmbio.

 Ele afirma que estas medidas vão ao encontro também da construção de uma gestão macroeconômica que sustente o desenvolvimento de longo prazo. No caso da inflação, por exemplo, o economista ressaltou a importância de não definir a meta tomando por base o IPCA, mas um índice que leve em conta produtos com preços sobre os quais o Estado dê conta de exercer influência. Quanto ao financiamento do desenvolvimento brasileiro, Mello ressaltou a necessidade de fortalecimento dos bancos públicos. Outro ponto relevante apontado pelo economista é reverter o desadensamento da cadeia produtiva brasileira, reconhecendo inclusive o papel da Petrobras e também dos setores de engenharia nacional.

“A operação Lava-Jato não pode entregar um Brasil mais limpo, mas quebrado”. Por fim, Mello ressaltou a relevância da discussão acerca da responsabilidade social e ambiental. “Nós não podemos abrir mão neste momento de defender um projeto que coadune distribuição de renda, geração de emprego, redução das desigualdades, mas também utilização de nossos recursos naturais de forma sustentável, inteligente para conseguirmos promover um projeto de desenvolvimento que não seja mero crescimento – o que nós chamamos de modernização conservadora – mas sim uma modernização que leve o país a um novo patamar, de desenvolvimento socialmente inclusivo e ambientalmente sustentável”.

Política social

O segundo volume do documento toca diversos temas que são usualmente deixados de lado pelo debate econômico, mas que dão as bases para qualquer mudança de paradigma, inclusive quando o assunto é desenvolvimento. No evento, o professor da Unicamp Eduardo Fagnani, membro da plataforma Política Social, foi o responsável por apresentar os principais pontos deste volume. Segundo ele, o ponto de partida é a constatação de que o ajuste fiscal interdita um projeto de desenvolvimento e de que a reforma conservadora, em curso no Congresso Nacional, podem dinamitar as pontes para este projeto. “Este volume é um convite ao debate sobre o futuro do país. O debate dominante pela ditadura do mercado não privilegia os grandes temas nacionais. É dominado por uma narrativa única ideologizada. O segundo volume tem por objetivo mostrar que há caminhos distintos e possíveis para o futuro do país. O debate a respeito dessas alternativas precisa ser desinterditado”.

O volume é dividido em três partes. Fagnani informa que, na primeira parte, ‘Diretrizes para uma sociedade justa’, o texto mostra que os avanços sociais recentes do país “não apagaram as marcas profundas da sociedade brasileira, com raízes no passado escravocrata, no caráter específico do nosso capitalismo tardio e pela curta e descontínua experiência democrática”. Segundo ele, o primeiro objetivo estratégico de um projeto que visa a superação disso é a defesa da Constituição de 1988, o segundo é preservar a inclusão social recente, o terceiro é enfrentar as desigualdades da renda e do patrimônio, o quarto é enfrentar o déficit dos serviços públicos e universalizar a cidadania social.

Sobre a segunda parte do volume, ‘Economia, crescimento e igualdade’, Fagnani ressaltou a necessidade de reduzir continuamente a desigualdade, de considerar que o crescimento é condição necessária para superar a desigualdade, de superar o tripé macroeconômico, fazer o superávit a partir da recomposição da capacidade de financiamento do Estado (com reforma tributária, revisão da política de renúncias fiscais e reorganizar o Estado para combater a sonegação de impostos), além de questões já tocadas por Rossi e Mello.

O último tópico do volume se chama ‘Política, Estado e democracia’. Sobre ele, Fagnani afirmou a necessidade de consolidar a democracia, fazer uma reforma política, combater a corrupção de forma isenta e institucional, democratizar os maios de comunicação, fortalecer o papel do Estado e resgatar os mecanismos de planejamento. O professor lembrou que o documento está em construção e que serve para fomentar o debate e novas intervenções capazes de suprir lacunas e aperfeiçoar os subsídios que traz.

A cerimônia

O evento, que contou com a apresentação do ator Sérgio Mamberti, teve a presença de representantes dos movimentos que ajudaram a redigir o documento. Além de Pochmann, Rossi, Mello e Fagnani, estiveram presentes Silvio Caccia Bava, diretor e editor-chefe da revista Le Monde Diplomatique Brasil; Joaquim Palhares, membro do grupo executivo do Fórum 21; Luiz Gonzaga Beluzzo, Centro Celso Furtado; Lindberg Farias, senador da República pelo Rio de Janeiro; Antonio Donato, vereador e presidente da Câmara Municipal de Sâo Paulo; Janete Pietá, ex-deputada federal; José Zico e Luiz Turco, deputados estaduais em São Paulo; Ari Antonio dos Reis, padre e assessor da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil; Ana Costa, presidenta do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde; João Pedro Stédile, membro da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); Roberto Amaral, ex-presidente nacional do PSB; Nalu Faria, coordenadora nacional da Marcha Mundial das Mulheres; Mariana Dias, coordenadora de Cultura da União Nacional dos Estudantes; Daniel Paulo Ferreira de Lima, vice-presidente do Sindicato dos Empregados em Editoras de Livros; Adalberto Monteiro, presidente, e Leocir Costa Rosa e Aloisio Sérgio Barroso, colaboradores da Fundação Maurício Grabois; Sérgio José Custódio, coordenador do Movimento dos Sem Universidade; Caio Magri,da Impacto; e Sandra Mariano, da Coordenação Nacional de Entidades Negra

Fundação Perseu Abramo, 30/09/2015