As tensões e os desafios que envolvem as relações entre o público e o privado na saúde foram o mote do conversatório on-line promovido pelo Conselho Latino-americano de Ciências Socias (CLACSO) na última sexta-feira, 10 de setembro. “Organizar um sistema de saúde é como consertar um avião em movimento”, destacou Alicia Stolkiner, professora da Universidade de Buenos Aires (Argentina), no painel que contou com falas da renomada professora Asa Cristina Laurell, do Instituto Mexicano de Segurança Nacional (México); do professor chileno Mario Parada, da Universidade de Valparaíso (Chile); e de Leonardo Castro, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), do Brasil, e coordenador executivo da iniciativa Brasil Saúde Amanhã.

Sob moderação de Carolina Tetelboin, da Universidade Autônoma Metropolitana Xochimilco (México), os especialistas apresentaram um panorama histórico e questões contemporâneas dos sistemas de saúde de seus países. “Nos países periféricos nós acabamos por ter uma cidadania restrita no campo das políticas de bem-estar, com desigualdades, violência, racismo estrutural e uma democracia tutelada. E, também, um quadro de dependência tecnológica e de apropriação privada do Estado”, destacou Castro, que  descreveu o Sistema Único de Saúde  (SUS) como exemplo de política pública latino-americana que funciona de forma combinada ao setor privado.

No Chile a situação não é tão diferente. De acordo com Parada, o discurso “saúde-dinheiro-solução” impulsiona cada vez mais o pensamento coletivo de que apenas pagando altos preços será possível conseguir boas consultas e suporte médico. “Mesmo com a existência de um serviço estatal gratuito, a desvalorização do que é público permeia o imaginário coletivo. Como recuperamos a confiança no que é público? Acredito que a resposta é voltar a sentir que o setor público nos protege do abuso de poder. Quando as pessoas entenderem que o lugar para essa segurança é a estruturação pública, passarão a defender o que é coletivo e por aí pode haver um caminho para superar essa crise humanitária”, propôs o pesquisador chileno.

Covid-19

Para os pesquisadores, a pandemia de Covid-19 agravou dilemas crônicos envolvendo a saúde e o bem-estar social na América Latina e exacerbou a necessidade de acelerar ações e debates relacionados à garantia de direitos sociais e ao fortalecimento da democracia no continente. Laurell provocou os ouvintes: “Precisamos olhar para tudo o que passamos nesses últimos tempos, ou chegaremos a uma situação ainda pior de sofrimento social. Estamos assistindo ao aumento da violência e do abuso de tranquilizantes, dentre outros problemas coletivos. Temos que convocar uma reflexão maior, porque ainda estamos distantes das preocupações concretas das pessoas”.

Encerrando o evento, Stolkiner deixou a mensagem de que é preciso repensar o que é de fato o cuidado com a saúde. “Algo tem que mudar radicalmente – e esse algo tem que mudar de maneira política e em nossas formas de pensar”, concluiu a pesquisadora argentina.