As relações federativas da Saúde durante a pandemia de Covid-19 e as mudanças possíveis na governança do Sistema Único de Saúde (SUS) são tema de três novos Textos para Discussão lançados pela iniciativa Brasil Saúde Amanhã na última segunda-feira, 28 de junho, durante o seminário on-line “O Brasil depois da pandemia: relações federativas, contratualização de serviços e redes de cuidados em saúde”. Com transmissão ao vivo pela VideoSaude Distribuidora da Fiocruz, o evento recebeu Ricardo Dantas, pesquisador do Laboratório de Informação em Saúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), onde coordena do projeto Avaliação do Desempenho do Sistema de Saúde (PROADESS), e as pesquisadoras Maria Angélica Borges dos Santos e Luciana Dias de Lima, docentes do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz). A também pesquisadora da Ensp/Fiocruz Mariana Albuquerque dinamizou o debate, moderado pelo coordenador executivo da iniciativa Brasil Saúde Amanhã, José Carvalho de Noronha, pesquisador do Icict/Fiocruz.
Ao apresentar uma síntese do TD 66 – Contratualização e Remuneração de Serviços de Saúde no SUS: situação atual e perspectivas, Maria Angélica descreveu os diferentes modelos de remuneração para a prestação de serviços em saúde, com foco no SUS, e apontou mudanças importantes ocorridas nos últimos anos, como a proliferação das Organizações Sociais de Saúde (OSS), presentes em 66% dos Estados e em 59% dos municípios, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dentre as tendências atuais que devem permanecer nas próximas décadas, Maria Angélica apontou a telemedicina, que pode transformar os modelos de atendimento e a dinâmica do SUS, acrescentando complexidade aos desenhos remuneratórios e mecanismos de monitoramento. O grande desafio, para ela, é estabelecer mecanismos de regulação, avaliação e controle de resultados dos prestadores de serviços de saúde. “Precisamos de um sistema de informações robusto, que ofereça dados consolidados de forma acessível e transparente. Temos apenas estimativas indicando que o SUS dedica cerca de 20% a 25% dos seus recursos para a aquisição de serviços privados, em várias modalidades. É necessário aprofundar essa análise”, avaliou.
Ricardo Dantas, um dos autores do TD 67 – Modelos de Organização e Gestão da Atenção à Saúde no Cenário do Brasil em 2040: as redes regionais e nacionais no enfrentamento das iniquidades em saúde, analisou o panorama de serviços, redes, fluxos e acesso à saúde no país e a sua relação com as iniquidades em saúde. “Ainda prevalecem, no sistema de saúde brasileiro, dinâmicas de redes urbanas regionais. Com algumas exceções, temos polos de serviços concentrados, que expressam as desigualdades econômicas, políticas e sociais históricas do país. Entender essas lógicas é fundamental para o planejamento da Saúde, tanto no contexto da pandemia, quanto para projetar o futuro”, sentenciou.
Para ele, após a pandemia de Covid-19, a tendência é a maior articulação ou disputa entre União, estados, municípios, legislativo e judiciários, grupos e setores empresariais, instituições de pesquisa, ciência e tecnologia e grupos e movimentos sociais em torno da saúde, do SUS e da proteção social. “Olhando para 2040, mesmo no cenário mais pessimista, marcado pelo enfraquecimento da capacidade de organização e gestão pública do cuidado em saúde, o aumento das desigualdades e o debate internacional sobre proteção social possivelmente pressionarão pela expansão e desconcentração regional dos serviços e pelo fortalecimento do SUS”, pontuou.
Por fim, Luciana Dias de Lima expôs a análise publicada no TD 65 – Covid-19 e Coordenação de Políticas de Saúde no Estado Federativo Brasileiro. O trabalho revela a crise de coordenação federativa durante a pandemia de Covid-19 e a fragilidade da condução da resposta à crise sanitária, marcada pela desorganização entre níveis de ação intergovernamental. “No contexto de um modelo de desenvolvimento neoliberal, autoritário, concentrador e excludente, em franca desestruturação institucional e com o agravamento das desigualdades sociais, observamos indefinições e sobreposição de atribuições de funções; dificuldades de planejamento, execução e integração de ações e serviços em tempo oportuno. Ao mesmo tempo, percebemos o protagonismo de alguns governos, de um lado, negligência e omissão de outros. Para chegarmos a um cenário futuro mais otimista, é preciso fortalecer a capacidade de intervenção pública do Estado brasileiro e aprimorar o arranjo de governança da Saúde”, concluiu.
A debatedora Mariana Albuquerque assinalou a convergência dos trabalhos, que abordam diversas dimensões da crise não apenas sanitária, mas econômica, política e social, e pontuou caminhos para o fortalecimento SUS. “Pelos cenários aqui mostrados, observamos que poderia haver um avanço de investimentos públicos nessa faixa de fronteira entre os grandes centros urbanos já saturados e os pequenos municípios sem infraestrutura, no sentido de constituir polos de especialidades que possam atender às demandas da região. E, claro, investir na qualificação dos profissionais, pois não adianta ter leitos e equipamentos e não ter pessoas qualificadas para trabalhar”, concluiu.