A prospecção de cenários futuros para o Brasil e o setor Saúde, com o olhar em 2040, foi o mote do seminário on-line “Pensando o Futuro da Saúde no Brasil: População, Segurança Alimentar e Desigualdades”, promovido nesta terça-feira, 15 de dezembro, pela rede Brasil Saúde Amanhã, iniciativa pioneira da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para a prospecção em saúde, que completa 10 anos em 2020. Durante o evento, realizado no contexto da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030 e com transmissão on-line pelo canal da VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz no YouTube, pesquisadores da Fundação, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) debateram tendências sobre população, segurança alimentar e desigualdades.

Os pesquisadores apresentaram os principais resultados dos mais recentes Textos para Discussão publicados em acesso aberto no portal Saúde Amanhã: “Dinâmica Demográfica e Distribuição Espacial da População: cenários para 2040, um olhar socioeconômico”, de Antônio Tadeu Ribeiro de Oliveira e Mônica O´Neill; “Terra, Segurança e Soberania Alimentar, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e a Covid-19”, de Gustavo Souto de Noronha; e “Epidemiologia, População e Determinantes Sociais e Ambientais da Saúde”, de Wanessa Debôrtoli de Miranda, Fabrício Silveira e Rômulo Paes-Sousa.

A abertura e moderação do evento foram conduzidas pelo coordenador executivo da iniciativa Brasil Saúde Amanhã, José Carvalho de Noronha, que é pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz). “O Saúde Amanhã teve início em 2010, como um esforço de realizar, de forma pioneira no país, uma prospecção estratégica do sistema de saúde brasileiro, desde as conexões mais amplas dos condicionantes econômicos e sociais para a saúde até a organização dos cuidados de saúde, abarcando também o complexo econômico-industrial da saúde. Trabalhamos com o horizonte móvel de 20 anos e em consonância com a Estratégia da Fiocruz para a Agenda 2030 e o seu mote ‘não deixar ninguém para trás’”, apresentou Noronha.

Cenários demográficos para 2040: um olhar socioeconômico

A rodada de apresentações foi aberta pelo pesquisador do IBGE, Tadeu Ribeiro. “Desde o início da iniciativa Saúde Amanhã, procuramos traçar um olhar demográfico do país e estabelecer possíveis conexões com o setor Saúde. O contexto atual é bastante complexo para elaborar projeções populacionais e cenários econômicos, devido ao quadro de pandemia, crise política e econômica, no qual identificamos a disputa entre três correntes: os ultraliberais, que desejam aprofundar reformas favoráveis ao capital e cortar os direitos da população; os neoliberais, que consideram que a crise não será superada sem que o Estado integre a recuperação econômica; e o campo progressista, que com menor capilaridade defende a participação do Estado no equacionamento dos problemas econômicos”, enfatizou Ribeiro.

Para o pesquisador, no Brasil, as projeções para o futuro evidenciam dois aspectos fundamentais: o envelhecimento populacional e a redução do tamanho da população, visto que a expectativa é de que o país apresente considerável queda nos níveis de fecundidade. Ribeiro destacou que as maiores taxas de fecundidade estão entre as mulheres mais pobres, fato que sinaliza um aumento da desigualdade social no futuro. “Hoje o cenário evidencia que as políticas de saúde, educação e segurança não foram devidamente direcionadas para dar suporte ao desenvolvimento e à população. Nessa perspectiva, observamos que o Brasil não aproveitou o ‘bônus demográfico’, caracterizado pela grande disponibilidade de pessoas em idade ativa”, ressaltou Ribeiro.

O pesquisador defendeu que as políticas públicas devem considerar as diferenças regionais em relação aos ritmos da transição demográfica. “Enquanto Sudeste e Sul experimentam esperança de vida mais elevada e taxas de crescimento populacional em ritmos mais lentos, na região Nordeste, a combinação da queda da fecundidade com a manutenção de saldos migratórios negativos faria com que entre 2041 e 2042, o número de habitantes da região diminuísse. Entre os anos 2046 e 2047, os estados do Sudeste e do Sul teriam redução do volume populacional. Já nas regiões Norte e Centro-Oeste, embora o crescimento populacional siga em ritmo bem mais lento, no horizonte de 2060, é possível que elas experimentem algum crescimento”, destacou.

Em relação à mortalidade infantil, o pesquisador revelou que a previsão para 2040 é que as regiões Sul e Sudeste apresentem taxas próximas à média dos países desenvolvidos, enquanto no Centro-Oeste, Nordeste e Norte, os indicadores estarão abaixo da média mundial, mais próximos da média da América Latina e Caribe. Neste sentido, Ribeiro salientou que uma possível saída seria elaborar políticas populacionais de incentivo à natalidade e à atração migratória. “A adoção de tais medidas requer pesados investimentos de recursos públicos, portanto, necessita mais do que ações voltadas à elaboração de políticas populacionais. É preciso um projeto de nação, em que o desenvolvimento econômico não pode estar dissociado do desenvolvimento social inclusivo”, concluiu Ribeiro.

Terra, Segurança e Soberania Alimentar: os ODS e a Covid-19

Na sequência, o pesquisador do Incra, Gustavo Souto Noronha, contextualizou a Agenda 2030 no Brasil e no mundo em 2020, a partir do debate sobre a questão agrária no país, perpassando políticas e modelos para o campo da agricultura brasileira, diante do cenário de insegurança alimentar enfrentado globalmente após a pandemia de Covid-19. “A questão agrária passa necessariamente pela discussão de uma estratégia de desenvolvimento para o Brasil. A tentativa de um país sem pobreza e com baixa desigualdade deve estar sempre no horizonte da construção de uma estratégia de desenvolvimento nacional e, por isso, advogamos pela necessidade da reforma agrária, que se relaciona com três grandes grupos temáticos: segurança alimentar, matriz energética e sustentabilidade ambiental”, ressaltou Gustavo.

Ao abordar o papel da agricultura no desenvolvimento brasileiro e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas para 2030, o pesquisador do Incra definiu funções e estratégias com foco nas facilidades econômicas, na segurança protetora, nas oportunidades sociais, na sustentabilidade ambiental, nas garantias de transparência e na liberdade política. “As funções da agricultura estão presentes em 12 dos 17 ODS. Destaco o ODS 2, diretamente relacionado ao tema – ‘Fome Zero e Agricultura Sustentável: acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável’”, apontou  o pesquisador do Incra.

Gustavo enfatizou que, em um futuro pós-emergência da Covid-19, será urgente evitar que a atividade agrícola continue gerando impactos na biodiversidade, sob risco de ocasionar novas crises sanitárias de ordem mundial. “É urgente intensificar inovações na agricultura, como forma de garantir a oferta de alimentos em resposta aos impactos provocados pela pandemia. A agroecologia é um caminho possível para a reconstrução de uma agricultura pós-Covid-19, capaz de evitar interrupções generalizadas no abastecimento de alimentos, territorializando a produção e o consumo de alimentos”, defendeu.

O pesquisador afirmou que, com o financiamento assegurado, será possível construir uma nova agenda, que tenha como objetivo o modelo integrado de agricultura sustentável, ancorado na reforma agrária, na transição agroecológica, na biotecnologia e na incorporação de inovações advindas da chamada indústria 4.0. Por sua vez, a segurança alimentar combinada com mudanças de valores e consumo nos centros urbanos coloca desafios singulares para a agricultura familiar e para o agronegócio patronal. “A agricultura familiar deve buscar maior acesso a tecnologias e o agronegócio patronal deve transitar de forma definitiva para uma produção sustentável. Sem atender a esses desafios, a agricultura não cumprirá o seu papel no desenvolvimento brasileiro”, pontuou Gustavo.

Enfrentando as desigualdades

A última apresentação foi conduzida pelo pesquisador Rômulo Paes-Sousa, da Fiocruz Minas, que abordou o tema das desigualdades em uma perspectiva global. Paes-Sousa ressaltou a estimativa dos determinantes sociais pensados em um período futuro de 20 anos e como a pandemia de Covid-19 tem alterado essas tendências. O pesquisador apontou as consequências para o desenvolvimento social no Brasil, em especial, para o setor Saúde.

“O TD 47 abrange discussões sobre os desafios contemporâneos para a estratificação das desigualdades sociais, a austeridade fiscal com o aumento das desigualdades e seus efeitos sobre a saúde, o contexto da pandemia de Covid-19 e seus efeitos imediatos sobre os determinantes sociais da saúde e as desigualdades em saúde, além das estratégias para a redução das desigualdades em saúde. O estudo abrange ainda indicadores relacionados à Agenda 2030 e que apresentam uma variabilidade maior entre os indivíduos, pensando em projeções para 2040 para o Brasil e para as Américas”, destacou Paes-Sousa.

O pesquisador da Fiocruz Minas explicou os principais conceitos de desigualdades, vulnerabilidades e iniquidades em saúde e afirmou que para definir estratégias para a redução das desigualdades em saúde é preciso atentar para três aspectos fundamentais: formar um objetivo específico da política de saúde, intervir nos determinantes sociais da desigualdade na saúde e melhorar as condições de vida, superando os mecanismos de exclusão relacionados às barreiras ao acesso aos sistemas de saúde.

Sobre a pergunta norteadora do TD 47, ‘O que esperar para o futuro?’, Paes-Sousa explicou que há uma sobreposição de questões, com ritmos diversos para os diferentes grupos de doenças e agravos, que se distribuem desigualmente pela população e disse que sua aproximação com a realidade se torna ainda mais incerta diante da impossibilidade de mensurar a duração da pandemia de Covid-19.

“Vivemos um tempo de grandes tensões, agravadas pela pandemia, que revelou de forma objetiva as grandes e importantes contradições existentes na nossa organização social, econômica e ambiental. Não obstante, ao nos colocar diante do espelho, revelando um mundo atravessado por muitas crises e carente de mudanças, também abre oportunidade para repensar e formar consenso em torno do futuro que queremos. Obviamente que propor projeções para um horizonte temporal longo, em especial em um momento em que há uma sinergia de crises – sanitária, humanitária e econômica, com efeitos e duração ainda desconhecidos, é um exercício complexo. O conhecimento dos cenários potenciais, porém, é fundamental para guiar os esforços da nossa sociedade em direção a um 2040 mais próspero e equitativo”, finalizou Paes-Sousa.