Disputas de poder entre grande potências, instituições globais multilaterais e governança em Saúde foram os eixos propostos pela iniciativa Brasil Saúde Amanhã para discutir os cenários futuros para o Brasil e o sistema de saúde, em um contexto pós-pandemia de Covid-19, na última segunda-feira, 3 de maio. O seminário on-line “O Brasil depois da pandemia: sistema interestatal, instituições multilaterais e governança global da Saúde”, transmitido pelo canal da VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz no YouTube, lançou três Textos para Discussão inéditos e contou com a participação especial de Paulo Buss, coordenador do Centro de Relações Internacionais da Fiocruz. Os novos estudos, publicados no portal Saúde Amanhã na seção Textos para Discussão, foram apresentados pelos pesquisadores Raphael Padula, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Maria Regina Soares de Lima e Marianna Albuquerque, do Observatório Político Sul-Americano (OPSA), e Celia Almeida, pesquisadora e docente da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz).

Na abertura do evento, o sanitarista Paulo Gadelha, coordenador da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030, enfatizou a pertinência do amplo acervo disponibilizado em acesso aberto pela iniciativa Brasil Saúde Amanhã. “São 60 Textos para Discussão, diversos livros e relatórios que constituem fontes de referência para pensar cenários futuros para o Brasil e o nosso Sistema Único de Saúde (SUS)”, avaliou o ex-presidente da Fiocruz. O coordenador executivo da iniciativa Brasil Saúde Amanhã, José Carvalho de Noronha, pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), comandou a moderação dos debates sobre neoliberalismo, instituições multilaterais e governança global da Saúde.

Neoliberalismo, disputa pelo poder global e a pandemia de Covid-19

Raphael Padula, coordenador e professor associado da Pós-Graduação em Economia Política Internacional do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador-visitante do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) no projeto “Integração Sul-Americana: o Brasil e a América do Sul”, iniciou as apresentações a partir da contextualização histórica sobre a ascenção do neoliberalismo e, como resultado, a ampliação das desigualdades.

Ao observar o cenário atual da pandemia, Padula apontou a aceleração de conflitos com a “guerra das vacinas”, que envolvem diretamente Estados Unidos e China, além de analisar o papel do Brasil neste contexto e no futuro pós-pandemia. “Temos, hoje, um país com muitas perdas econômicas, porque não planejou a vacinação e não atuou diplomaticamente para ter acesso a insumos. Esses prejuízos se traduzem em instabilidade política interna, o que torna o país ainda mais polarizado, fragmentado e vulnerável aos interesses de potências estrangeiras”, afirmou.

Multilateralismo e a governança global da ONU

Seguindo a exposição de Padula, Marianna Albuquerque, professora substituta do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (INEST-UFF) e pesquisadora e coordenadora adjunta do Observatório Político Sul-Americano (OPSA), traduziu o  multilateralismo como um conjunto de partes e mecanismos de participação. Marianna analisou as ações da Organização das Nações Unidas (ONU) desde seu surgimento até hoje, passando por suas resoluções da Guerra Fria, e apontou as divergências em relação ao conceito-base do multilateralismo, de inclusão, participação e reciprocidade. “A ONU passa por uma grande dificuldade em se adaptar aos tempos atuais. É um sistema multilateral que tem em sua gênese crises e a dificuldade de incluir aqueles que desviam do padrão de comportamento esperado, como a China”, avaliou a professora.

Maria Regina Soares de Lima, professora do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ) e coordenadora do OPSA, complementou as colocações de sua coautora e destacou desafios contemporâneos. “O crescimento das lideranças de extrema direita, conflitos latentes e a pandemia de Covid-19 são questões urgentes, que exigem resiliência do multilateralismo universal”, afirmou Maria Regina.

Governança do setor Saúde em um contexto mundial mutante e incerto

Pesquisadora titular e docente da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), Celia Almeida abordou a governança global da Saúde e o elenco de mecanismos e atores envolvidos nos processos de decisão do setor, bem como seus arranjos institucionais globais e regionais, no contexto da emergência sanitária provocada pelo novo coronavírus. “A pandemia do vírus SARS-CoV-2 expôs de forma cruel e reveladora os numerosos problemas que assolam a governança global em geral e a do setor Saúde em particular. As opções para superar as crises de financiamento, nacionais e do sistema internacional, se apoiam nas privatizações e no aumento exponencial das parcerias público-privadas e nos recursos doados, fortalecendo monopólios comerciais e o poder de decisão e de retaliação do setor privado. Como consequência, já estamos assistindo ao aumento da insegurança e das desigualdades”, destacou a pesquisadora.

Diante desse cenário, Celia apontou a necessidade de se rever o papel do Estado e o significado do que é “público”. “A quem o Estado deve servir, como e para quê?”, questionou. Para o futuro, a pesquisadora ponderou três possibilidades. “Não me parece viável a recuperação do ‘Estado keynesiano clássico’, pois em poucas décadas o neoliberalismo tornou-se vitorioso. Tampouco é possível manter o papel do ‘Estado investidor de risco’, que deixa os lucros e a posse de propriedade intelectual inteiramente para o setor privado. É preciso, portanto, construir alternativas que aproveitem os benefícios que determinadas inovações trouxeram, sem descuidar porém, da necessária regulação dos atores envolvidos”, concluiu.

Saúde em pauta

Após as três apresentações,  o coordenador do Centro de Relações Internacionais da Fiocruz, Paulo Buss, teceu comentários sobre os Textos para Discussão produzidos para a iniciativa Brasil Saúde Amanhã e destacou a importância de incluir o marco global da Agenda 2030 nos diálogos sobre multilateralismo e governança global em Saúde. “Com a pandemia de Covid-19 o setor Saúde tem pautado as discussões políticas, econômicas e sociais nos países e no mundo, como nunca. A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável é uma referência fundamental, pois além de conclamar à equidade, relaciona a Saúde ao clima. O desequilíbrio ambiental, apontado como uma das causas da pandemia, deve gerar novas emergências sanitárias, possivelmente na Amazônia, ou aqui mesmo na Mata Atlântica”, alertou Buss.

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