A 29ª Conferência Pan-Americana de Saúde da Opas, aprovou, na semana de sua realização (22 a 26 de setembro de 2017), uma nova agenda de saúde para as Américas, além de uma série de estratégias e planos de ação em diversas áreas de trabalho. As decisões foram tomadas pelos ministros de Estado da Saúde que representam os 35 Estados-membros da organização. Criada em 1902, a Organização Pan-Americana da Saúde é também o Escritório de Representação da Organização Mundial da Saúde para a Região das Américas (AMRO) e órgão máximo de deliberações e da diplomacia da saúde no continente.

Na mesma oportunidade, a doutora Carissa Etienne foi reeleita, por unanimidade, diretora geral da organização por mais quatro anos (2017-2021). O novo diretor geral da Organização Mundial da Saúde, doutor Tedros A. Ghebreyesus, recém-eleito (maio de 2017, na Assembleia Mundial da Saúde) participou do evento.

A Agenda de Saúde Sustentável para as Américas 2018-2030, que é obviamente inspirada na Agenda do Desenvolvimento Sustentável 2030 das Nações Unidas, estabelece onze objetivos e 60 metas, que cobrem amplo espectro de expectativas, incluindo a cobertura universal em saúde, o enfrentamento de enfermidades transmissíveis e não transmissíveis e um amplo conjunto de outros objetivos.

Por ocasião da conferência foi lançada a mais icônica das publicações periódicas da Opas, intitulado Salud en las Américas, elaborada a cada cinco anos, e que analisa tendências, objetivos e condições de saúde na região. Num próximo artigo, dada sua importância e fonte inesgotável de informações atualizadas sobre a região e cada um de seus países, vou compartilhar comentários sobre a publicação com os leitores deste blog.

Uma série de estratégias e planos de ação foram adotados pelos Estados-membros na Conferência, entre os quais:
– Estratégia para as políticas nacionais de recursos humanos, visando alcançar a saúde universal e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS);
– Plano de ação para o fortalecimento das estatísticas vitais da população de cada país;
– Plano de ação para manter a eliminação de sarampo, rubéola e síndrome da rubéola congênita;
– Estratégia e plano de ação para fortalecer o controle do tabaco na região;
– Política sobre etnicidade e saúde para melhorar a saúde dos povos indígenas, afrodescendentes e populações ciganas.

Uma série de eventos paralelos e exposições – inclusive uma sobre Oswaldo Cruz no seu centésimo ano de falecimento, organizada pela Fiocruz – criaram oportunidade para o intercâmbio de experiências e o debate sobre temas como equidade em saúde, mudanças climáticas, saúde dos migrantes, fortalecimento dos serviços de saúde para melhorar a abordagem das doenças crônicas e uso de políticas reguladoras para promover, apoiar e proteger a alimentação saudável. Os furacões que devastaram partes do Caribe e dos Estados Unidos, e os terremotos que causaram centenas de mortes no México também ocuparam lugar central nos debates, com a comunidade sanitária continental solidarizando-se com as famílias das vítimas e as nações afetadas e programando ações de recuperação sanitária das regiões afetadas.

A Agenda da Saúde

Os onze objetivos da Agenda incluem uma série de áreas de ação consideradas essenciais para fortalecer os sistemas de saúde dos países quanto à sua eficiência, efetividade, equidade e sustentabilidade, com o objetivo final de garantir o acesso universal à assistência médica de que necessitam e sem afetar a vida financeira das famílias.

A Agenda baseia-se nos progressos alcançados no âmbito dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) na região e nos objetivos estabelecidos na Agenda de Saúde para as Américas 2008-2017, adotada pelos Estados-membros da Opas em 2007.

Entre os avanços regionais em matéria de saúde, figura um aumento de 3,2 anos na expectativa de vida média entre 2000 e 2015, reduções significativas da mortalidade infantil e importante redução das enfermidades transmissíveis, como Aids, tuberculoses e malária; a eliminação da circulação endêmica do sarampo (em 2016) e a eliminação da rubéola e da síndrome da rubéola congênita (em 2015).

A despeito de tais avanços, persistem importantes desigualdades em saúde, seja entre os países de renda baixa, seja entre os de renda alta da região, e também entre os diferentes grupos de população no interior dos países. Com a nova Agenda, houve convergência na visão de priorizar ações que ajudem a assegurar progressos mais equitativos na região.

Objetivos da Agenda de Saúde Sustentável para as Américas

1. Ampliar o acesso equitativo a serviços de saúde integrais, integrados e de qualidade, centrados nas pessoas, família e comunidade, com ênfase na promoção da saúde e na prevenção de enfermidades.
2. Fortalecer a reitoria e governança da autoridade nacional de saúde (ministérios da Saúde) e promover a participação social.
3. Fortalecer a gestão e o desenvolvimento de recursos humanos para a saúde com competências para a abordagem integral da saúde.
4. Alcançar financiamento adequado e sustentável para a saúde, com equidade e eficiência, e avançar na proteção contra riscos financeiros para todas as pessoas e suas famílias.
5. Assegurar o acesso a medicamentos essenciais e vacinas, assim como a outras tecnologias sanitárias prioritárias, segundo a evidência científica disponível e o contexto nacional.
6. Fortalecer os sistemas de informações para a saúde, visando apoiar o desenvolvimento de políticas e a tomada de decisões baseadas em evidências.
7. Desenvolver capacidades para a geração, transferência e uso de evidências e conhecimentos em saúde, promovendo pesquisa, inovação e uso das tecnologias.
8. Fortalecer a capacidade nacional e regional de preparação, prevenção, detecção, vigilância e resposta aos surtos de doenças e às emergências e desastres que afetam a saúde.
9. Reduzir a morbidade, deficiências e mortalidade por enfermidades não transmissíveis, traumatismos, violência e transtornos mentais.
10. Reduzir a carga de enfermidades transmissíveis e eliminar as enfermidades negligenciadas.
11. Reduzir as desigualdades e iniquidades em saúde por meio de enfoques intersetoriais, multisetoriais, regionais e sub-regionais dos determinantes sociais e ambientais da saúde.

A agenda tem 60 páginas e foi elaborada por um conjunto de Estados-membros designados para esse fim, entre outubro de 2016 e setembro de 2017.

Os objetivos foram definidos tomando em conta a situação de saúde da região, os temas inconclusos dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, as áreas de ação da Agenda de Saúde para as Américas 2008-2017, as metas de impacto e os resultados intermediários dos planos estratégicos da Opas, as metas de saúde do ODS 3 e outras metas relacionadas com saúde na Agenda 2030, ajustadas ao contexto regional.

A Agenda será implementada por meio dos planos estratégicos e estratégias da Opas, assim como de planos de saúde nacionais e sub-regionais. No elenco de valores da Resolução encontra-se o que os ministros da Região denominam de “solidariedade pan-americana”, constituída, segundo o texto, de sólidas alianças bilaterais e a cooperação Sul-Sul entre os Estados-membros, assim como a cooperação multilateral e regional, com os processos dinâmicos de integração. Estes seriam os mecanismos básicos para intercambiar enfoques e experiências eficazes, assim como bens e serviços a fim de alcançar as metas comuns e superar as iniquidades em saúde.

Ou seja, os ministros apostam num conjunto coerente de inter-relações, reunindo a Opas e planos de outros processos de integração, abrindo mão de uma condução única e unilateral, para implementar a Agenda da Saúde Sustentável das Américas.

Quando se examinam comparativamente as metas do ODS 3 (Assegurar vidas saudáveis e bem estar para todos em todas as idades) da Agenda 2030 global e da Agenda das Américas, aparecem algumas diferenças que passamos a comentar.

Em primeiro lugar, salta aos olhos a meta 11, que assume a centralidade dos determinantes sociais e ambientais da saúde, o que é ignorado na agenda global. Esse é um avanço da região, pois são fartas as evidências de que a saúde não é apenas um produto da biologia humana, mas o resultado de processos sociais, econômicos e ambientais, na mais ampla acepção que tais conceitos possam representar. Creio ser este o maior diferencial entre as duas agendas.

De outro lado, os ministros da região avançam no tema da intersetorialidade no âmbito regional desde 2014, quando aprovaram a resolução sobre saúde em todas as políticas, que convoca os demais setores a se comprometer com as consequências de suas políticas sobre a saúde, mas apresenta junto as vantagens que populações saudáveis podem aportar ao social e ao econômico na região, além de propor um plano de ação a ser cumprido.

Agregue-se a esse quadro político-institucional a criação, pela direção da Opas, da Comissão sobre Equidade e Desigualdades em Saúde na Região das Américas, composta por especialistas independentes, que deverá avaliar as evidências disponíveis sobre as causas dessas desigualdades nas Américas e recomendar ações para melhorar a saúde e o bem estar, num marco de referência que considera direitos humanos, equidade, gênero e etnicidade. Diversas resoluções já existentes, referentes a essas dimensões, deverão receber atenção especial para seu cumprimento neste e nos próximos anos.

Contudo, se essa agenda que contém elementos mais avançados do que a agenda global será cumprida nas Américas vai depender de iniciativas políticas dos governos da região, tanto no setor saúde, quanto em outros setores fundamentais pelo efeito de suas políticas sobre a saúde.

Cabe à sociedade civil dos nossos países, no Brasil representada, por exemplo, pelo Conselho Nacional de Saúde, arguir constantemente o Ministério da Saúde sobre o compromisso assumido em Washington na 29ª Conferência Pan-Americana da Saúde e cobrar a prestação de contas de políticas coerentes para sua implementação.

*Paulo Buss é diretor do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Cris/Fiocruz).

 

Fonte: Fiocruz