Em um momento de crise e ruptura, torna-se ainda mais importante pensar estratégias de longo prazo, que sejam debatidas e decididas com a participação da população”. A afirmação é do economista Carlos Gadelha, coordenador do grupo de pesquisa sobre o Complexo Econômico-Industrial e de Inovação em Saúde da Fiocruz. Ele participou, ao lado do cientista político Luis Fernandes, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do debate online “Desenvolvimento: ideias para um projeto nacional”, promovido no dia 26 de outubro pelo Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE) como parte da série “Futuros do Brasil”.
Para Carlos Gadelha, a ampla discussão sobre o projeto de desenvolvimento nacional é urgente no Brasil. “Esse debate deve ser feito a partir do diálogo com as ruas e a sociedade, a fim de gerar um novo pacto social. Este é o momento de problematizarmos a política de desenvolvimento social, econômico e de inovação do país, para que possamos avançar em uma agenda estratégica que combine políticas econômicas e sociais. Separar as duas dimensões é um equívoco”, defendeu.
Entre os desafios a serem enfrentados em médio e longo prazo, o economista destacou a imposição de teto aos gastos públicos, prevista pela PEC 55, em tramitação no Senado e em iminência de aprovação. “São necessárias novas perspectivas, capazes de mobilizar a sociedade e impedir que o país fique paralisado ou, o que é pior, que retroceda em relação à base produtiva, à inovação e ao Estado de bem-estar social conquistado pela Constituição de 1988”, avalia.
Para o especialista, é preciso estabelecer pactos sociais e assumi-los de modo transparente. “Ao avançar na discussão estrutural dos sistemas de bem-estar e de inovação, os conflitos ficarão evidentes e nortearão alianças estratégicas e não apenas para a governabilidade”, apontou. Nesse sentido, Carlos Gadelha sugeriu uma inversão de prioridades para a política de desenvolvimento nacional. “Em vez de incentivar empresas automobilísticas, promover políticas públicas para a mobilidade urbana. Em vez de políticas para medicamentos, políticas para o setor Saúde”, exemplificou.
Cenário global
A discussão de um projeto nacional de desenvolvimento não é importante apenas para o país, mas tem impactos em todo o contexto global. A posição do Brasil na divisão internacional do trabalho e as tendências para as próximas décadas foram abordadas pelo cientista político Luis Fernandes, da UFRJ. Para ele, a elaboração de um plano de ação em longo prazo e a coordenação de esforços e investimentos para a sua execução são fundamentais para que o país altere o seu papel na divisão internacional do trabalho.
“O Brasil, como país não central, continua a operar atividades econômicas de menor valor agregado, o que impossibilita gerar renda e distribui-la. A não ser que aceitemos essa condição de inferioridade, é necessário estruturar projetos de desenvolvimento que busquem reposicionar o país na divisão de trabalho existente”, ressaltou Fernandes.
O cientista político apontou exemplos de nações que realizaram essa transição de maneira exitosa, como os Estados Unidos. No século XIX, o país conseguiu migrar do modelo agrário para o industrial, reposicionando-se fortemente na economia mundial. “Hoje, no entanto, em vez de a política industrial ser a chave para alavancar tal mudança, a Ciência,a Tecnologia e a Inovação é que estão no coração da produção de valor, em uma economia global desvinculada da atividade produtiva, que se tornou cenário de especulação”, alertou o cientista político.
De acordo com o especialista, neste panorama, o investimento em Ciência, Tecnologia e Inovação é ainda mais estratégico. “É muito preocupante a extinção do Ministério da Ciência e Tecnologia e sua subordinação ao Ministério das Comunicações. Caso se concretize, o desmonte das políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação levará o Brasil a uma posição ainda mais periférica e subalterna na divisão internacional do trabalho”, concluiu Fernandes.