Em um estudo publicado recentemente na revista Oncotarget, pesquisadores do A.C. Camargo Cancer Center descreveram um conjunto de 26 genes com potencial para se tornarem biomarcadores de agressividade para um subtipo de câncer de mama conhecido como carcinoma ductal in situ (DCIS, na sigla em inglês).

O trabalho teve apoio da FAPESP e foi coordenado pela pesquisadora Dirce Carraro, do Laboratório de Genômica e Biologia Molecular.

“Se confirmada por novos estudos, a descoberta ajudará a personalizar o tratamento da doença, livrando pacientes com lesões consideradas indolentes de abordagens clínicas mais agressivas, como cirurgia e radioterapia”, afirmou Carraro em entrevista à Agência FAPESP.

Conforme explicou a pesquisadora, são classificados como ductal in situ os casos em que as células tumorais, de origem epitelial, ainda estão confinadas dentro dos ductos lactíferos – canais pelos quais o leite escoa durante o período de amamentação. Atualmente, não há biomarcadores capazes de predizer quais dessas lesões têm de fato potencial para se transformar em doença invasiva capaz de alcançar os tecidos adjacentes e causar metástase e quais delas podem permanecer relativamente estáveis e indolentes ao longo da vida, sem representar uma ameaça à vida da paciente.

De maneira geral, os DCIS são considerados pouco agressivos, sendo que 98% das pacientes diagnosticadas e tratadas da forma convencional não apresentam recidivas ou progressão da doença. O percentual das lesões que teriam risco de progredir se fossem deixadas livres de tratamento é controverso e, na dúvida, o consenso entre os médicos é submeter as pacientes diagnosticadas com esse subtipo de câncer mamário aos tratamentos mais agressivos, que incluem cirurgia para retirada da lesão e, em alguns casos, radioterapia.

Especialistas estimam, porém, que para uma parcela significativa das mulheres o tratamento poderia ser mais brando. Algumas poderiam até mesmo ficar livres de tratamento.

“Cerca de 30% das lesões detectadas na mama atualmente são diagnosticadas como carcinoma ductal in situ. A tendência é que esse número aumente à medida que evoluem os métodos de diagnóstico, uma vez que são lesões pequenas e não palpáveis, mas que podem ser identificadas durante o rastreamento. Por isso, hoje, há um esforço para encontrar biomarcadores que ajudem na avaliação do prognóstico e no planejamento da terapia”, explicou Carraro.

Metodologia

A equipe do Laboratório de Genômica e Biologia Molecular tem estudado há cerca de 10 anos como a expressão dos genes está alterada nas lesões que se revelam capazes de invadir os tecidos adjacentes ao ducto mamário. Em um trabalho publicado em 2008, o grupo de Carraro sugeriu que essa modificação na expressão gênica ocorre antes mesmo da alteração morfológica, ou seja, antes que as células tumorais consigam efetivamente sair de seu local de origem e invadir tecidos vizinhos.

O novo trabalho publicado na Oncotarget – com a colaboração de pesquisadores do Hospital Sírio-Libanês e da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto reforça essa hipótese e apresenta uma lista de 26 genes cuja expressão, de maneira geral, está diminuída nas lesões consideradas mais agressivas: AZGP1, CAMP, EDN1, EPOR, GRB10, INPP1, MAPK8, P4HB, RARRES3, ALSM1, ANAPC13, ARHGAP9, CHRNB1, CPN3, CTTNBP2NL, HLTF, LSM4, RABEPK, REC8, UTP20, CLNS1A, FCGR3A, POSTN, SAA1, SLC37A1 e TFF1.

Para chegar a essas conclusões, o grupo avaliou a expressão gênica em 63 amostras tumorais congeladas no Biobanco do A. C. Camargo Cancer Center. As amostras foram divididas em três grupos, que mimetizavam os diferentes estágios de progressão da doença.

O estágio inicial era representado por amostras retiradas de lesões cujas células tumorais ainda estavam totalmente confinadas no ducto mamário. O estágio mais avançado era mimetizado por células malignas que já haviam escapado para os tecidos adjacentes ao ducto. Já o intermediário era representado pelo chamado “componente in situ” (as células tumorais presentes dentro do ducto) de lesões que já haviam se tornado invasivas.

Por métodos considerados abrangentes, como o microarray, a expressão de mais de 5 mil genes foi comparada nos três grupos. “Vemos uma diferença grande na expressão desses 26 genes quando comparamos o estágio inicial com o intermediário. Porém, a diferença é pequena quando comparado o estágio intermediário e o mais tardio. Isso reforça a ideia de que a mudança na expressão dos genes antecede a mudança na morfologia”, afirmou Carraro.

O grupo de Carraro acredita que esse painel de 26 genes representa uma assinatura capaz de diferenciar os tumores que necessitam de tratamento mais invasivo. Um novo estudo já está em andamento para avaliar a utilidade clínica desse achado – desta vez com amostras tumorais colhidas para biópsia e, posteriormente, armazenadas em parafina.

“Vamos analisar apenas amostras de lesões puramente in situ, ou seja, cujas células ainda estão confinadas dentro do ducto. É uma análise retrospectiva e, portanto, sabemos qual foi o desfecho das pacientes que doaram as amostras de tecido. O objetivo é descobrir se analisando a expressão desses 26 genes nas células tumorais conseguimos identificar os casos em que as lesões se mostraram agressivas. Mas para isso precisaremos de um grande número de amostras”, contou a pesquisadora.

Outros estudos estão em andamento com o objetivo de esclarecer o papel funcional que esses 26 genes desempenham no processo de invasão das células tumorais. Segundo Carraro, dados preliminares dos ensaios funcionais com o gene ANAPC13 suportam a hipótese de que ele pode ser um biomarcador de agressividade, dependendo de seu nível de expressão e de sua localização nas células tumorais. “Observamos in vitro que, quando sua expressão diminui no citoplasma das células tumorais, aumenta a capacidade de invasão e migração da célula”, contou.

Leia o artigo “Epithelial cells captured from ductal carcinoma in situ reveal a gene expression signature associated with progression to invasive breast cancer” (DOI: 10.18632/oncotarget.12352).

Fonte: Agência Fapesp