Acompanhar a história do Serviço Nacional de Saúde (SNS) português é verificar, sob um ângulo privilegiado, como a concepção de Atenção Primária à Saúde (APS) integral sai da teoria para a prática e, a partir das experiências adquiridas, se renova e atualiza em um exercício permanente de conquista e adaptação. Traçar um panorama do SNS também é falar sobre outro exercício, o da democracia. Em Portugal, como em outros países, a luta pelo direito à saúde esteve de mãos dadas com a luta pelo fim da ditadura. Lembremos: em 25 de abril de 2014, a Revolução dos Cravos completou 40 anos. Partindo desse marco histórico, Henrique Botelho, médico de família e coordenador de Relações Internacionais da Associação Nacional de Unidades de Saúde da Família (USF-AN), fala sobre as três grandes transformações da APS em Portugal, que se confundem com as transformações pelas quais passou e passa a própria sociedade portuguesa, particularmente flagrantes nesses tempos de crise na Europa e ameaças aos direitos sociais conquistados.

Este ano Portugal comemora 40 anos da Revolução dos Cravos, que dá fim à ditadura. Como foi o processo de democratização do ponto de vista da garantia do direito à saúde?

Havia um descontentamento progressivo na sociedade portuguesa, essencialmente no domínio das liberdades, mas também no que dizia respeito aos direitos sociais e, já nesta altura, a Europa dava exemplos de consagrar nas suas constituições um conjunto de direitos: o direto ao trabalho, o direito à educação e, é claro, o direito à saúde. Portanto, esta é umas das matérias que se coloca logo em cima da mesa, até por uma razão: Portugal tinha um sistema, se é que podemos chamar sistema, absolutamente insipiente no que diz respeito à prestação de cuidados de saúde. Quem podia pagar tinha serviços privados pouco desenvolvidos e quem não podia tinha um sistema caritativo, muito ligado à Igreja Católica, essencialmente assistencialista e que poucas garantias oferecia. Por outro lado, as universidades estavam cheias de jovens extraordinariamente politizados. Como acontece em quase todos esses processos, a universidade era um dos focos de maior contestação à ditatura. E o primeiro fenômeno interessantíssimo que ocorre em paralelo à discussão da Constituição democrática acontece em 1975, quando um grupo grande de médicos sai das universidades e, antes de fazer suas residências, vão fazer aquilo que nós chamamos “serviço médico à periferia”.

O que foi o serviço médico à periferia?

Esses jovens licenciados foram voluntariamente, durante um ano, trabalhar em zonas do interior do país que pura e simplesmente não tinham serviços médicos. Esse processo produz duas coisas. Há aldeias que, pela primeira vez, tiveram um médico, o que gera uma conscientização da população que, também pela primeira vez, vê o seu direito à saúde, embora de uma forma ainda muito precária, consagrado. O segundo destaque é que esses jovens médicos tiveram contato com o país real. Alguns deles, que hoje já estão prestes a se aposentar, dizem que essa experiência foi das mais gratificantes que tiveram em termos de contato com as pessoas. Este é um primeiro movimento que se gera relativamente ao direito à saúde das populações.

Há alguma ligação entre esse movimento em Portugal e as discussões que ocorrem no bojo da realização da Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, em Alma-Ata em 1978?

Há uma coisa muito interessante: é que Portugal começou a fazer Alma-Ata, antes de Alma-Ata. Alguns dos princípios lá consagrados começaram a ser abordados e discutidos em 1971. Muitas vezes na história, há fenômenos que resultam da convergência de alguns fatores positivos. E o que fez acontecer aqui foram três ou quatro pessoas com um pensamento visionário que, por ocuparem cargos-chave na estrutura do Ministério da Saúde, e por estarem alinhadas com uma ideia virtuosa de pensar que saúde é algo que se passa muito pra fora e muito pra além dos serviços de saúde – nomeadamente dos hospitais – começaram a pensar e a colocar no terreno algumas estratégias de saúde pública que viriam mais tarde a ser consagradas através da Carta da Alma-Ata. Tais estratégias diziam respeito à capacidade de integração e de alargamento relativamente ao que é saúde e doença. De forma que, quando chegamos à revolução democrática, já havia um corpo de ideias e um pensamento favorável à Atenção Primária à Saúde.

Este pode ser considerado o marco inicial da APS em Portugal?

Sim, em 1971 há a criação daquilo que chamamos os centros de saúde de primeira geração, que eram estruturas muito simples, com parcos recursos, às vezes só com um enfermeiro – e, naquela época, o enfermeiro era um profissional que, em geral, tinha cursado um intensivo, com algumas noções de primeiros cuidados, etc. Esses centros de saúde eram essencialmente voltados para questões da saúde comunitária, da saúde pública e para regras básicas: a questão das águas, noções de puericultura, que eram necessárias, pois tínhamos elevadas taxas de mortalidade infantil.

Dois anos depois da Revolução dos Cravos, o país promulgou uma nova Constituição, em 1976.Como se dá o processo de criação do Serviço Nacional de Saúde?

A Constituição portuguesa é aprovada dois anos depois da revolução democrática e consagra a saúde como um direito, que cumpre ao Estado assegurar. Determina que se crie um Serviço Nacional de Saúde geral, ou seja, que responda a todos os problemas de saúde e universal, ou seja, que não exclua ninguém. E diz que deverá ser gratuito, financiado por impostos, através do orçamento do Estado. Em 1979, finalmente é publicada a lei do Sistema Nacional de Saúde.

A partir do SNS, como a APS se desenvolve?

Em 1982, há outro marco absolutamente fundamental que garante o segundo salto da Atenção Primária em Portugal. Falo do decreto-lei que estabelece que os profissionais que trabalham no SNS serão organizados por carreiras profissionais, com graus e categorias cuja progressão corresponderá a um superior desenvolvimento técnico e científico e profissional. Assim é criada a carreira do médico de família. E são criados os centros de saúde de segunda geração, que passam a ter médicos obrigatoriamente especialistas em Medicina Geral e Familiar com um estatuto em tudo idêntico às especialidades hospitalares.

Como se desenvolve essa especialidade, que até então inexistia?

Fomos uma geração sem mestre. Isto, de fato, não é nenhuma novidade porque os primeiros ortopedistas foram formados a partir dos cirurgiões gerais. Quando uma especialidade nasce, o faz sempre com o apoio do saber médico que existe naquela altura. Por isso, fomos uma geração que nos preocupamos em estudar o que se fazia nos outros países, em observar, refletir e adaptar e, a partir de determinada altura, construir propostas próprias. Isto nos leva a construir uma disciplina acadêmica para essa área e começam a aparecer nas escolas médicas de Portugal os primeiros elementos a preocupar-se com isto e os primeiros docentes desta nova área voltada para a prestação de cuidados à pessoa e à família, cuidados globais que compreendam a promoção da saúde, a prevenção da doença, os cuidados curativos e o cada vez mais importante acompanhamento e tratamento das doenças crônicas. É assim que a Medicina Geral e Familiar vai crescendo e se firmando em Portugal, conquistando cada vez mais a confiança das populações e, o que é muito importante, vai captando a atenção e a confiança dos pares hospitalares. É fundamental que haja aceitação e respeito entre os médicos das situações mais prevalentes, que são os médicos de família, e os médicos que trabalham em um contexto hospitalar. Isto não é uma batalha ganha, afinal estas batalhas nunca estão definitivamente ganhas, mas demos em Portugal passos importantíssimos e, hoje, o médico de família é um profissional de saúde respeitado entrepares e completamente aceito dentro das profissões. Um trajeto parecido, embora esteja numa fase mais atrasada, é a experiência do enfermeiro de família. Nós ainda não temos o enfermeiro de família especialista, mas dentro de algum tempo essa realidade vai acontecer.

E como se deu o cadastramento da população?

Cada médico tem a sua lista de usuários, que em Portugal chamamos de “utentes”. Essa lista, e a própria legislação dizia isto, deveria ser feita prioritariamente respeitando-se a inscrição familiar. Isto é, quando um elemento da família se inscreve, todo o agregado familiar deve se inscrever. Evidente que a opção do cidadão é sempre respeitada. Também se sugere que a inscrição seja no centro de saúde mais próximo, mas eu posso me inscrever em outro mais distante. Posso, por exemplo, perder o direito ao cuidado domiciliar pela minha equipe se me inscrever num centro de saúde que fica a 15 quilômetros, mas o centro mais próximo tem que os prestar.

O senhor se refere ao segundo ciclo da APS em Portugal como um período de acúmulo de experiências. Em que sentido?

A partir de 1983, quando são criados os centros de segunda geração, há um período muito interessante de investigação, experimentação, acumulação de conhecimentos, reflexão e debates no sentido de aprimorar algo que estávamos a fazer pela primeira vez. Em 1996, há uma abertura do Ministério da Saúde que resolve chamar alguns dos protagonistas deste desenvolvimento conceitual. É criado um conjunto de documentos que propõem o aprimoramento dos centros de saúde. O mote era: passado este tempo, o que aprendemos e o que podemos modificar? A ideia do médico no seu consultório com a sua lista de “utentes” era uma visão reduzida da atividade dos próprios centros de saúde. Começa a surgir a ideia do trabalho em equipes multiprofissionais, compostas pelo menos de médicos e enfermeiros. Esses profissionais, num processo solidário, poderiam comutar as lacunas e ausências uns dos outros, potencializando o acesso e o atendimento. E algo também muito importante: a ideia era que as equipes seriam espaços de aprendizagem, de crescimento do ponto de vista teórico, mas também do desempenho.

Como aconteceu essa reorganização da APS?

Criam-se cerca de 20 grupos-piloto que vão ensaiar essa modalidade de organização em equipe e vão ensaiar também um sistema remuneratório que vai além daquilo que tínhamos até então, que era um salário fixo com pouca avaliação. Surge a ideia de que as boas práticas devem ser apoiadas de várias formas. Mas como distingui-las? Havia duas hipóteses: penalizar aqueles que estão em um patamar de desempenho baixo, que é a técnica do chicote, ou promover aqueles que estão em um patamar alto, o que serviria de estímulo aos demais. Pela primeira vez na administração pública portuguesa foi possível fixar uma remuneração para além do salário pelo atingimento de determinado número de metas fixadas num processo de negociação coletiva.

Mas há uma inflexão, um período de pausa nesse processo, certo?

Bastou mudar um ministro que não acreditava nisto dentro do mesmo governo e o processo ficou congelado. Todos os instrumentos legislativos, que já estavam feitos, são deixados de lado. Mas esses 20 grupos continuaram a trabalhar. Outra inflexão acontece em 2000, quando há uma mudança de ciclo político e o governo que assume, de matriz neoliberal, não aposta rigorosamente nada no desenvolvimento da Atenção Primária.

A retomada da APS ocorre quando?

Em 2005 há um novo ciclo político que decide retomar a reforma que tinha sido pensada nos anos 1990. É constituída uma equipe com as pessoas que mais se distinguiram naquele período de debates. A primeira missão é reavaliar todos os documentos que ficaram em suspenso, readaptá-los e fazer um relatório. Quando o relatório é apresentado, há grandes consensos entre os profissionais de saúde e rapidamente se consegue um acordo sobre o que seria a nova organização dos centros de saúde. Começa pela constituição das Unidades de Saúde Familiar, que são, de fato, a parte mais visível e significativa da Atenção Primária. A Atenção Primária não se esgota na saúde familiar, mas a saúde familiar é uma componente de enorme impacto, pois diz respeito ao contato personalizado com o cidadão.

O que o senhor, que foi membro da comissão que reavaliou os documentos, destacaria desse processo?

O processo tem vários fatores inovadores e o mais inovador deles todos é que, ao invés de se apresentar um produto acabado e dizer: “a partir de hoje, meus amigos, é assim que vocês vão ser organizados”, apresentaram-se o conjunto dos grandes princípios e objetivos que deveriam ser atingidos. Devolve-se essa proposta aos profissionais, que puderam se candidatar voluntariamente, desde que fossem organizados em carreiras do Ministério da Saúde, já trabalhassem em centros de saúde e, no caso dos médicos, fossem especialistas em Medicina Geral e Familiar.

Como essa candidatura acontecia?

As próprias pessoas formam suas equipes e se candidatam para uma determinada região e para uma determinada carteira de utentes. As equipes de avaliação dão o parecer técnico: “sim senhor, essa equipe está em condições de avançar”. A partir dali, a administração cria as condições logísticas para que essas unidades se constituam. Nós já tínhamos uma boa rede, mas era preciso reformar, ou como eu ouvi falar aqui no Brasil, qualificar. Criaram-se condições para um bom acolhimento com instalações, se possível, simpáticas. Para evitar a fatalidade de o cidadão ter que entrar em um sítio sujo, escuro, que cheira mal. Isso basicamente acabou.

Uma vez aceita a candidatura, quais são os próximos passos?

As equipes escolhem o nome para sua unidade, não um político qualquer. Elas também criam o seu logotipo, fazem o seu manual de acolhimento, o que representou ganhos de identidade e pertença. Aquela ideia de que, se eu vir alguém encostar-se à parede e por o pé nela, eu não vou gostar; como não gosto que façam isto na minha casa. E essa ideia de que essa unidade tem muito de mim, porque fomos nós que construímos, fomos nós que apresentamos o projeto. É público, mas é nosso. Isto foi o principio do sucesso, aliás, isto ultrapassou todas as expectativas que tínhamos quer ao número de pessoas que queriam aderir, quer à forma entusiástica com que as pessoas aderiram e, ainda, foi um processo que fez emergir novas lideranças.

Qual é o balanço desse processo?

Em 2009 foi produzido um relatório e o nome escolhido foi exatamente este: “acontecimento extraordinário”. Porque de fato foi e continua a ser um processo verdadeiramente extraordinário. O último estudo de satisfação apontou que 70% dos usuários se declararam muito satisfeitos. Não conhecemos nenhum serviço público em Portugal que sequer se aproxime desses valores. E entre os profissionais, o índice de aprovação andava de 75% a 80%. Mas estou convencido de que se fizéssemos esse inquérito agora esses números não seriam tão bons porque o atual governo não está a cumprir sua parte.

O que o governo não está cumprindo?

Vou à questão da remuneração: as USF previam um sistema misto de remuneração, um salário fixo e depois uma componente variável constituída por vários tipos de incentivos ou complementos. Por exemplo, se eu decidir e, dentro da margem, tiver disponibilidade para aumentar minha lista de usuários para além daquilo que é suposto, eu terei um suplemento adicional por cada grupo de 50 utentes. O cumprimento das boas práticas na área da saúde infantil, materna, planejamento familiar, do controle de diabéticos e hipertensos funciona como estímulo a qual cabem outros incentivos. E ainda, se a equipe cumpriu os objetivos, ao final do ano lhe é entregue uma verba para se aplicar em benefícios à própria unidade, seja nas instalações, seja em formação. Portanto, é um processo inteligente em que o Estado deposita dinheiro para investir no próprio Estado. Esses incentivos não estão a ser pagos, e por isso é normal que as pessoas, ano após ano, comecem a ficar frustradas. O governo também vem limitando cada vez mais a transição das USFs de modelo A para B, o que cria insatisfação nos profissionais porque grande parte deles quer ser modelo B.

Em que se distinguem as USF modelo A e B?

Temos dois modelos de USFs. Por exemplo, eu e um grupo de colegas nos candidatamos e, a partir do momento em que somos aceitos, somos uma USF modelo A. Isso quer dizer que enquanto formos modelo A, nossa remuneração é igual a que tínhamos no centro de saúde. A partir do momento que vamos ganhando experiência e a equipe tem maturidade para um processo mais exigente, podemos nos candidatar ao modelo B. Em contrapartida, há uma dimensão de risco, pois, a partir do momento que vou trabalhar na USF B, a componente fixa do salário diminui um pouco, mas isto é largamente compensado pelos incentivos.

Você poderia perguntar: “os profissionais que ganham mais ficam mais caras para o Estado?” Não, saem mais baratos porque o que fazem compensa largamente os incentivos. Com os dados oficiais do Ministério da Saúde, nós investimos em uma plataforma tecnológica de avaliação e transparência, construída pelos próprios profissionais, que nos permite constatar que as USFs modelo B têm melhor desempenho do que as modelo A. E, no seu conjunto, as USFs fazem mais, fazem melhor e são mais custo-efetivas, ou seja, fazem mais barato que os centros de saúde tradicionais, que ainda são 50% do total.

O não cumprimento do modelo integral das USFs acontece no contexto da crise na Europa, das recomendações do que ficou conhecido como troika [Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia]. Como fica o Sistema Nacional de Saúde frente a esse processo?

Estamos em uma situação difícil. Abriram-se variadíssimas portas de entrada nas leis para os agentes do mercado, que entram na saúde porque há uma oportunidade de negócio, porque há margem para o lucro. Na APS isso ainda não se verifica, mas nos hospitais já se verifica. Formas de financiamento, como pequenos seguros, começam a aparecer em zonas onde o serviço público tem alguma insuficiência. E ninguém avalia este tipo de ofertas. É como vender gato por lebre. Mas temos um bom sistema de saúde, mesmo que ameaçado pelas políticas neoliberais que neste momento seduzem a Europa e correm o risco de fragmentar os sistemas públicos universais da saúde. Sabemos que para que o modelo de mercado se imponha, é preciso fragilizar e se possível fragmentar o serviço público. Estas são as duas grandes linhas de debate e confrontação que nós temos agora em Portugal e também na Espanha e outros países recentes em serviços públicos, em grande medida inspirados pelo Serviço Nacional de Saúde inglês do pós-guerra que, não por acaso, está altamente fragilizado e fragmentado pelas sucessivas intervenções neoliberais. Não queríamos ver isto acontecer em Portugal.

A crise dá novo fôlego ao discurso de mercado ou, em outras palavras, obscurece a noção da saúde como um direito social conquistado?

No ano 2000, me lembro de ter lido um artigo que dizia que nesse princípio de milênio, a saúde seria o grande negócio e iria superar as armas e quem sabe o narcotráfico. Ninguém sabe os dados do narcotráfico e o mercado das armas também é difícil de mensurar. Mas a verdade é que constatamos uma intervenção muito agressiva de agentes do mercado na saúde. Se nós pensarmos o que era a saúde ou a medicina há cem, 80 ou mesmo cinquenta anos atrás… Falava-se muito na arte médica e a arte tem um lado inovador, criativo, próprio, subjetivo. Hoje, isto começa a ser cada vez menos aceitável, a medicina se rege pela demonstração dos malefícios e benefícios. A ideia da saúde baseada em evidências é um pouco isto: para cada decisão que tomo, tenho que saber justificar. E a minha justificativa tem que ser válida à luz da melhor evidência científica do momento. Esta é uma transformação que decorre da introdução de tecnologias cada vez mais pesadas na área da saúde. Hoje, é impossível falar e pensar em saúde sem essas tecnologias na área do diagnóstico e da terapêutica, equipamentos sofisticados, efetivos e exponencialmente mais caros. Basta ver as profissões que gravitam à volta da saúde: engenheiros, administradores, economistas, publicitários. Há todo um conjunto de possibilidades de negócio. Vivemos em um mundo transacionável: tudo são materiais, tudo são processos de transação. A cada dia, mais agentes olham para a saúde como fonte de investigação, produção e venda de produtos. Portanto nós vivemos em um mercado global do qual é difícil fugir e aqui voltamos à ideia original: a saúde como um direito humano. Uma conquista das sociedades democráticas, inclusivas e avançadas. Não estamos a vender, a negociar ou a facultar um produto. Nós estamos a defender e a facultar um direito. E agora entramos no domínio da política, que não é mais do que o domínio das opções – filosóficas, culturais, civilizacionais – que temos que fazer. Vamos tratar a saúde como um mero produto transacionável, como é este telefone que está a gravar a entrevista, ou estamos a falar de um direito humano? Aqui temos os termos do debate entre a civilização e a barbárie.

 

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