Um panorama dos projetos de Reforma Tributária em tramitação no Congresso Nacional, traçado pelos economistas Sulamis Dain e Eduardo Fagnani, foi o ponto de partida para a discussão entre pesquisadores e parlamentares sobre os impactos de um novo modelo fiscal para o desenvolvimento nacional e o financiamento da Saúde. O debate aconteceu durante o seminário on-line “Reforma Tributária e Financiamento da Saúde”, promovido no dia 14 de setembro pela iniciativa Brasil Saúde Amanhã, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no contexto da Estratégia Fiocruz para Agenda 2030.
Na abertura do evento, o médico sanitarista Paulo Gadelha, coordenador da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030, ressaltou que o modelo de Reforma Tributária a ser adotado pelo país impactará, além do setor Saúde, o campo da Educação, o pacto federativo e o desenvolvimento regional. “Devemos refletir sobre a Reforma Tributária que o Brasil precisa de forma menos regressiva, a partir do mote da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável: ‘não deixar ninguém para trás’. As mudanças devem promover a equidade”, pontuou Gadelha.
Responsável pela moderação do evento, o coordenador executivo da iniciativa Brasil Saúde Amanhã, José Carvalho de Noronha, enfatizou a importância de pensar o presente olhando o futuro. “Há dez anos, a iniciativa Brasil Saúde Amanhã propõe a prospecção de cenários para o Brasil e o setor Saúde no horizonte móvel dos próximos 20 anos. Com este norte, a partir de estudos sobre o financiamento da Saúde publicados nos livros “A Saúde no Brasil em 2030” e “Brasil Saúde Amanhã: População, Economia e Gestão”, além de outros Textos para Discussão como “Os fluxos financeiros no financiamento e no gasto em Saúde no Brasil”, propomos esse debate essencial para a sustentabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS)”, enfatizou Noronha, que é pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz).
Propostas em cena
Professora titular aposentada do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/Uerj) e do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ), Sulamis Dain detalhou o conteúdo de duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC) e de um Projeto de Lei (PL) que propõe modelos de Reforma Tributária: a PEC 45, da Câmara dos Deputados, a PEC 110, do Senado, e o PL 3.887/2020, do Governo Federal.
Sulamis destacou que as três propostas são baseadas na tributação do consumo. “São projetos já existentes, eventualmente reformulados, mas que evidenciam a impotência do Estado brasileiro em fazer reformas estruturais, diante do cenário atual de crise política e econômica. Cada um tem suas particularidades, mas todos declaram que vão simplificar o sistema fiscal, reduzir a carga tributária e, assim, estimular a economia. No entanto, quando analisamos as propostas concretamente, percebemos que o cumprimento desses objetivos não está garantido”, afirmou a economista.
Sulamis ressaltou que o Brasil passa por uma prolongada crise fiscal, de recessão e depressão na economia, agravada pelos impactos da pandemia de Covid-19 no emprego, na renda e no Produto Interno Bruto (PIB), em um contexto de luta da Saúde, decorrente do desfinanciamento que tem sido enfrentado nos últimos anos.
Tributação da renda
Em sua apresentação, Sulamis destacou que nenhum dos três projetos trata da tributação de renda de maneira significativa. “As propostas de Reforma Tributária no Brasil, além de se concentrarem no consumo, vivem como realidade um imaginário obsoleto, porque não consideram as novas tendências de tributação mundial e nem as transformações na economia, no que diz respeito a serviços e, principalmente, à nova economia digital, exacerbada com a pandemia de Covid-19”, destaca.
A abordagem foi explorada em profundidade pelo economista Eduardo Fagnani. O professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp) e coordenador a Plataforma Política Social apresentou a proposta de Reforma Tributária Solidária, Justa e Sustentável, que tem a tributação da renda como ponto central. Em sua visão, as três propostas em foco propõem a simplificação da tributação do consumo e, por isso, tendem a ampliar a carga de tributos sobre os mais pobres e a ameaçar as fontes de financiamento da Saúde, da Educação e da Seguridade Social.
Como contraponto, o economista apresentou uma quarta proposta de Reforma Tributária: a Emenda Substitutiva Global nº 178 à PEC nº 45/2019. “Essa proposta é inspirada no movimento Reforma Tributária Solidária, Justa e Sustentável e defende, primeiro, a alteração do modelo de tributação de renda e patrimônio e, depois, do consumo e da folha de pagamentos. “Por que o nosso sistema de saúde é injusto e regressivo? Fundamentalmente porque somos vice-campeões mundiais na tributação sobre o consumo, atrás apenas do Chile. Esse tipo de tributação penaliza os mais pobres, que consomem tudo que recebem. Qualquer proposta que não altere essa pirâmide não se refere de fato a uma Reforma Tributária”, apontou Fagnani.
Debate
A partir das apresentações de Sulamis e Fagnani, o membro da Comissão de Orçamento e Finanças do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Getúlio Vargas Júnior, que preside a Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam), e o senador Rogério Carvalho (PT-SE), membro da Comissão Mista do Congresso Nacional para a Reforma Tributária, trouxeram contribuições relevantes para o debate.
Para Vargas Júnior, a revogação da EC 95, que impõe o Teto de Gastos, é o ponto central da pauta. “Desde a implementação do SUS, nós nunca tivemos o financiamento adequado da Saúde. Já vínhamos de um processo de subfinanciamento e, com o ajuste fiscal promovido pela EC 95, passamos para o desfinanciamento da Saúde. Apresentamos ao Ministério da Saúde e à frente de Saúde do Congresso Nacional petição pública com mais de 60 mil assinaturas que reivindica a revogação da EC 95, que impõe o Teto de Gastos, e a revisão do orçamento da Saúde para 2021”, informou o conselheiro.
Para o senador Rogério Carvalho, o caráter regressivo da estrutura tributária brasileira evidencia a necessidade de mudança. “Hoje, o Brasil vive uma regressividade em todos os campos do Estado, seguindo a mesma lógica da estrutura tributária existente. Nós temos um Congresso Nacional organizado em três blocos que dominam o debate político: os representantes das oligarquias; o segmento corporativo, que domina os mercados financeiros; e um grupo menor, cerca de 10% da Casa, que luta por um projeto de país e sociedade, fundamentado nos ensinamentos básicos de como fazer a economia crescer e sair da depressão econômica, percorrendo os caminhos que a história, a ciência, o conhecimento e o empirismo nos apresentam”, concluiu o senador.