“É imprescindível pensar o longo prazo extrapolando sua forma etérea e localizando-o no território”. A afirmação é do analista de planejamento Leandro Freitas Couto, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que participou do seminário “Iniciativas em Prospecção Estratégica Governamental no Brasil”, promovido pela rede Brasil Saúde Amanhã, no dia 27 de julho, na Fiocruz. Em entrevista, o especialista ressalta a importância da perspectiva territorial no planejamento de longo prazo, para que o Brasil possa adotar um modelo de desenvolvimento inclusivo e efetivar a regionalização do Sistema Único de Saúde (SUS). “É fundamental pensar modelos capazes de garantir o acesso a partir de uma rede hierárquica de cidades, considerando a influência que essas localidades exercem sobre as regiões em que estão inseridas”, defende.

 Qual o papel dos estudos prospectivos de futuro para o planejamento territorial?

 A administração pública, em geral, limita-se às agendas do dia a dia, e os estudos prospectivos de futuro são a base para que esse trabalho possa sair dos escaninhos de curto prazo. É preciso que haja encontros, como o seminário promovido pela rede Brasil Saúde Amanhã, que criem oportunidades para a reflexão e para trocas de experiências sobre o exercício de olhar mais adiante. É importante que esses ambientes se ampliem e que as discussões ganhem espaço dentro das organizações etratégicas de Estado, como a Fiocruz, o Ipea e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

 No entanto, não há resultados que frutifiquem quando os estudos são realizados de forma isolada pelos especialistas e as diretrizes chegam prontas às entidades públicas ou governamentais. O sucesso só é alcançado quando as recomendações provém de uma discussão ampla, com a participação e o engajamento das instituições como um todo. Não é o estudo pelo estudo, mas sim como ferramenta de planejamento.

 Como a questão do território está contemplada, hoje, na agenda de desenvolvimento do Brasil? Quais as perspectivas para o futuro e os impactos para o SUS?

 É imprescindível pensar o longo prazo extrapolando sua forma etérea e localizando-o no território. É preciso considerar onde estarão as pessoas nas próximas décadas e como as atividades produtivas, as ofertas de serviços públicos e as oportunidades de emprego e renda estarão distribuídas no território nacional. Para isso, é necessário um plano nacional de desenvolvimento que converse com as questões territoriais e tenha pontos de partida e de chegada para a regionalização. Em síntese, devemos nos questionar sobre que território estamos forjando no Brasil do futuro, a partir das iniciativas atuais.

 Na perspectiva de um modelo de desenvolvimento inclusivo, há uma forte preocupação com o estabelecimento de um plano nacional de desenvolvimento que contemple questões territoriais, como a redução das desigualdades regionais e a reestruturação das relações entre o ambiente urbano e o rural. A perspectiva de regionalização do SUS se enquadra nesse contexto, que abrange todo um projeto de nação e tem, nos serviços de saúde, um importante elemento de estruturação.

 Uma tendência para o futuro é a mudança nos fluxos migratórios, com deslocamento da população para as cidades médias. Quais desafios essa dinâmica traz para a Saúde e para o desenvolvimento do país?

 A questão demográfica é central tanto do ponto de vista do envelhecimento da população, quanto do esvaziamento de algumas porções do território. Esses cenários indicam a importância da descentralização do desenvolvimento e da oferta dos serviços de saúde, considerando a rede de atenção do setor e a sua necessidade de hierarquizar os serviços para contemplar escalas de média e alta complexidade. É fundamental pensar modelos capazes de garantir o acesso a partir de uma rede hierárquica de cidades, considerando a influência que essas localidades exercem sobre as regiões em que estão inseridas.

 É preciso que o Brasil conquiste uma melhora significativa na distribuição das oportunidades de vida e no crescimento de suas regiões. Quando planejamos o desenvolvimento nacional e regional, emergem também preocupações em relação aos impactos desse processo na sustentabilidade – outra questão central na atualidade. Será que vamos conseguir frear o inchaço das grandes metrópoles, que já dão sinal de esgotamento do ponto de vista dos recursos, da poluição, dos resíduos sólidos? Como preparar essas cidades médias para um padrão de crescimento e desenvolvimento que não seja tão agressivo ambiental e socialmente? Para um futuro mais justo e equânime precisamos pensar e agir, hoje, sobre esses desafios.

 Como todas essas questões devem ser consideradas na agenda de longo prazo para o desenvolvimento do país e o fortalecimento do SUS?

 O contexto atual é de incertezas, mas a abordagem de futuro nos dá a oportunidade de sair um pouco da confusão do presente para pensar o planejamento de longo prazo com tranquilidade, valorizando o processo participativo e envolvendo várias instituições. Desta forma, mais à frente, poderemos implantar os resultados ou trazer elementos desses estudos para o nosso planejamento, pensando o território a partir disso. O mais relevante é o processo que está por trás dos estudos e da metodologia aplicada, que deve ser o mais amplo e participativo possível e promover a articulação com outras instituições e agências governamentais.

 Em outras palavras, os estudos prospectivos de futuro são fundamentais, mas precisamos conter a ansiedade. Não devemos nos preocupar apenas com o produto e sim com o processo, porque a forma como o trabalho é desenvolvido pode aumentar ou não as chances de os resultados serem aplicados e gerarem impactos reais sobre o desenvolvimento brasileiro. Os estudos de futuro serão fundamentais especialmente quando tivermos condições de estruturar, de fato, um plano nacional de desenvolvimento que tenha uma base territorial sólida, consistente.

 No horizonte dos próximos 20 anos, como retomar a trajetória de crescimento econômico do país, de forma alinhada à inclusão social?

 Essa não é uma questão simples. Não há saída fácil e, neste momento, fazer essa pergunta é mais importante que respondê-la. É urgente retomar o crescimento inclusivo. O Brasil já viveu a experiência de crescer concentrando renda e sabemos que o resultado não é satisfatório para o país, para a nação. É preciso rever alguns elementos da estratégia recente de desenvolvimento, mas é fundamental que os objetivos de desenvolvimento e inclusão continuem unidos. De outra forma, não haverá desenvolvimento.

 O desafio de apropriar a dimensão territorial ao planejamento continua posto.

Enfrentar essa tarefa requer o entendimento e tratamento de, ao menos, quatro questões. Primeiro, é preciso entender o território como sujeito das políticas públicas, ultrapassando a lógica de balcão de políticas em que é dada apenas a opção de adesão, sem que suas particularidades sejam consideradas. Em seguida, devemos compreender o território também como plataforma de integração das políticas públicas. Se é verdade que o planejamento setorial pode ter se fortalecido no país nos últimos anos, a integração entre eles ainda é frágil. Em terceiro lugar, não podemos abrir mão da busca pelo diálogo interfederativo e com a sociedade civil, pois o território é elemento de contato direto entre os diferentes níveis de governo e a sociedade e a criação de territórios nacionais nos estados se mostrou insuficiente. Por fim, o Estado brasileiro deve retomar o planejamento de longo prazo. Esse, afinal, parece ser o desafio síntese para os estudos prospectivos: não se acomodar na institucionalidade do Estado, mostrando-se relevante para as altas direções do governo e, a partir disso, se vincular aos mecanismos de médio e curto prazo dos processos de planejamento das políticas públicas.

Bel Levy
Saúde Amanhã
15/08/2016