A alarmante escalada de cesáreas que o Brasil vem enfrentando, especialmente na rede privada de saúde, pode ser contida e, mais que isso, revertida. As medidas implementadas pelo grupo de hospitais que participam do Projeto Parto Adequado aumentaram significativamente a taxa de partos vaginais e promoveram melhorias importantes em indicadores de saúde das gestantes e recém-nascidos assistidos. O balanço com os resultados do projeto foi apresentado nesta quinta-feira (17/11), em São Paulo, pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Hospital Israelita Albert Einstein e Institute for Healthcare Improvement (IHI). Devido ao sucesso alcançado, a iniciativa será agora expandida para mais 150 hospitais.

A taxa de partos vaginais nos 26 hospitais que fazem parte do grupo piloto, ou seja, que participaram de todas as estratégias adotadas, cresceu em média 76% – 16 pontos percentuais – saindo de 21% em 2014 para 37% ao final do projeto, em 2016. Se considerarmos todos os 35 hospitais que participaram da iniciativa (incluindo os hospitais seguidores e colaboradores), o crescimento médio da taxa de partos vaginais foi de 43% – mais de dez pontos percentuais – passando de 23,8% para 34%. Nove hospitais conseguiram atingir ou superar individualmente a meta de 40% de partos vaginais. Em 18 meses, mais de dez mil cesáreas sem indicação clínica foram evitadas.

Também houve grandes avanços na melhoria de outros indicadores de saúde: quatorze dos 35 hospitais reduziram as admissões em UTI neonatal: de 86 internações por mil nascidos vivos para 69 internações por mil nascidos vivos. E nove hospitais reduziram as admissões em UTI neonatal para bebês acima de 2,5 kg: de 44,5 internações por mil nascidos vivos para 35 internações por mil nascidos vivos. Ao todo, foram evitadas cerca de 400 admissões em UTI neonatal.

O Projeto Parto Adequado mostrou-se também uma iniciativa segura, pois não houve aumento de complicações decorrentes do parto – como morte materna, sequela e asfixia fetal, entre outros eventos adversos – no conjunto dos hospitais que desenvolveram as medidas. Em três instituições houve redução desse tipo de complicação: de 73 eventos adversos por 1000 nascidos vivos para 31 eventos adversos por 1000 nascidos vivos, uma redução de 57%.

“Chegamos ao fim do projeto-piloto extremamente satisfeitos com os resultados alcançados. Nunca houve um sucesso tão grande em medidas para reduzir cesáreas”, comemora a diretora de Desenvolvimento Setorial da ANS, Martha Oliveira. “As mudanças implementadas pelos hospitais fizeram aumentar de forma segura o percentual de partos vaginais, dando mais confiança e proporcionando um atendimento de mais qualidade às gestantes. Não apenas conseguimos evitar cesáreas desnecessárias, mas começamos a, de fato, promover uma mudança cultural que, acreditamos, será irreversível e essencial para a melhoria do sistema de saúde”, avalia.

A diretora destaca que o Projeto despertou o interesse internacional da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Fundação Bill e Melinda Gates, que irá financiar pesquisa coordenada pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para aprofundar a avaliação da intervenção.

“O Projeto Parto Adequado possibilitou uma série de mudanças de infraestrutura e de operação nos hospitais participantes, mas também uma mudança cultural em toda a sociedade. Uma mudança faz parte da outra. Ter mais enfermeiras participando e uma nova forma de compreender a assistência ao trabalho de parto possibilita uma reorganização das equipes e permite mais segurança para a realização de partos vaginais”, afirma o diretor superintendente do Hospital Israelita Albert Einstein, Miguel Cendoroglo Neto.

“O Projeto Parto Adequado é um movimento de líderes brasileiros que estão profundamente comprometidos com o bem-estar de mães e recém-nascidos. Mantendo sempre os pacientes no centro da tomada de decisões, eles estão utilizando métodos de melhoria para transformar uma realidade de longa data com impacto em milhares de vidas para atingir um melhor presente, procurando abordar simultaneamente os três lados do Triple Aim – melhor experiência do cuidado, melhor saúde populacional e custos sustentáveis. Admiramos profundamente todos os indivíduos e as instituições participantes do projeto por terem ousado desafiar uma norma e por terem começado a moldar um futuro onde suas experiências mostraram aos outros o que é possível”, destaca Pedro Delgado, diretor-executivo e coordenador regional do IHI na América Latina e Europa. “A fase 1 é apenas o começo – à medida que aumentamos a escala do esforço durante a fase 2 para mais 150 instituições durante os próximos dois anos, teremos novos objetivos ousados a serem alcançados a serviço das mães e recém-nascidos – e os resultados terão um impacto positivo em gerações futuras”, completa.

Expansão

As conquistas obtidas pelo Parto Adequado foram tão importantes que motivaram a expansão do projeto. Com os aprendizados da fase I, a proposta agora é escolher hospitais que se destacaram para a multiplicação do projeto em 10 diferentes regiões do Brasil, ampliando o alcance das ações em favor da melhoria da atenção ao parto e nascimento no país.

A nova fase contemplará um número quatro vezes maior de participantes – 150 hospitais de todo o país poderão participar – e será desenvolvida ao longo de dois anos. Os critérios de seleção e demais orientações para a candidatura estão disponíveis no portal da ANS. Clique aqui e confira.

Mudanças e Ações

O Projeto Parto Adequado propôs intervenções no sistema de saúde, através da interlocução com lideranças de hospitais, de sociedades médicas e de enfermagem, profissionais e planos de saúde; medidas voltadas diretamente às gestantes, especialmente quanto à melhoria do acesso à informação; e organizou um sistema de coleta de informações e conhecimentos para entender quais mudanças resultaram em melhoria.

A reorganização da assistência às gestantes foi um dos principais focos do Projeto. O Parto Adequado propôs novas formas de organizar o trabalho médico para estimular o parto vaginal. Uma das proposições mais importantes foi a introdução de uma equipe para assistir ao parto e não apenas o médico. Os modelos de equipe multiprofissional propostos foram: parto assistido pelo plantonista do hospital e enfermeira obstetra; parto assistido por médico pré-natalista do corpo clínico com suporte da equipe multidisciplinar de plantão que faz o acompanhamento inicial da parturiente até a chegada de seu médico; e parto assistido por um dos membros de uma equipe de médicos e enfermeiras à qual a parturiente é vinculada. Neste modelo, a gestante sempre terá à disposição um médico e uma enfermeira obstetra de sobreaviso para realizar a assistência ao trabalho de parto e parto.

A mudança na prática de cada profissional, com o aumento da utilização de métodos não farmacológicos para alívio da dor, estímulos à deambulação (quando a paciente é estimulada a levantar da cama e caminhar), diminuição de procedimentos desnecessários e aumento de parto vertical tornaram a assistência ao parto menos intervencionista e humanizada. Houve ainda a redução, de forma significativa, do uso do corte na vagina (epsiotomia), as gestantes não ficam mais em jejum durante o trabalho de parto, não usaram soro para manter veia, mais gestantes criaram o seu plano de parto e diferentes posições para ter o bebê foram estimuladas e personalizadas, ao invés da tradicional posição deitada.

Além dessas mudanças, diversas transformações na infraestrutura dos hospitais precisaram ser implementadas para acomodar o parto não cirúrgico e criar a prontidão para o parto vaginal – como a modificação de apartamentos em salas de parto natural, a introdução das práticas de alívio da dor durante o trabalho de parto (utilização de banquinhos, bolas, banheiras e chuveiros), a ambientação para redução de ruídos e a iluminação adequada. Os hospitais também observaram a obrigatoriedade da presença do acompanhante durante todo o trabalho de parto, parto e recuperação, medida importante para dar confiança, segurança e conforto à gestante e ao recém-nascido.

Outra medida importante introduzida pelo Projeto foi o acompanhamento rigoroso dos resultados das práticas, como por exemplo a taxa de eventos adversos (complicações) decorrentes do parto, a satisfação das gestantes, admissões em UTI neonatal, entre outras. Antes do Projeto, esses indicadores eram desconhecidos pela maioria dos hospitais.

ANS