“Se o passado pertence à história, o futuro pertence à estratégia”. A partir desta premissa, o livro “Megatendências Mundiais 2030”, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apresenta os resultados de 17 estudos desenvolvidos por diferentes instituições, que abordam 788 temas que sinalizam possibilidades de futuro – as chamadas de sementes de futuro. Nesta entrevista, a organizadora da obra, Elaine Coutinho Marcial, discute os efeitos do aumento da expectativa de vida, do nível educacional e, também, da intensificação das mudanças climáticas sobre o país e o setor Saúde nas próximas décadas. Diante de tantas transformações, ela afirma: “produzir informação sobre o futuro é o caminho para definir as melhores estratégias”.
Por que realizar estudos de futuro, como o “Megatendências Mundiais 2030” e os desenvolvidos pela rede Brasil Saúde Amanhã?
Essas iniciativas são fundamentais para o processo de planejamento. Planejar requer informação, mas não se trata de qualquer informação, é preciso olhar para o futuro. O passado, nós observamos apenas para aprendermos com ele e não repetirmos os mesmos erros. Uma estratégia vencedora depende da capacidade de olhar à frente: quanto mais longe se puder olhar, melhor será a estratégia formulada. Sem dúvidas, produzir informação sobre o futuro é o caminho para definir as melhores estratégias. Por isso, no processo de formulação das políticas públicas devem-se considerar os estudos realizados com foco no futuro, como os desenvolvidos pela rede Brasil Saúde Amanhã. Muitos dos problemas que vivemos hoje no Brasil têm origem na ausência de um planejamento de longo prazo. A falta de água vivida no início do ano no sudeste é um exemplo. A água é um insumo essencial para a vida e para a saúde e a ausência de um planejamento adequado desses recursos causa caos no sistema de abastecimento em momentos de estiagem prolongados.
O modelo para uma gestão pública eficiente deve combinar planejamento estratégico, execução, controle e avaliação de todo processo. É preciso investir em gestão estratégica visto que muitas áreas de governo carecem dessa atividade de forma estruturada e muitas nem planejamento estratégico têm. Durante a execução da estratégia, é preciso frear a burocracia, que consome recursos antes que eles sejam de fato aplicados e gera desperdício e falta de controle administrativo. Também é preciso capacitar os responsáveis pela gestão dos serviços públicos. Caso contrário, sem planejamento e sem competência para gerir o bem público, resta atender as emergências, “apagar os incêndios”.
Qual a metodologia utilizada para mapear as megatendências mundiais projetadas para 2030?
Nesta pesquisa aplicamos um método diferente dos tradicionais. Reunimos 17 estudos de futuro, desenvolvidos por diferentes pesquisadores e instituições, contemplando cinco grandes dimensões: população e sociedade, geopolítica, ciência e tecnologia, economia e meio ambiente. A partir disso, identificamos as sementes de futuro, ou seja, as tendências que começaram seu movimento no passado e, no presente, demonstram força suficiente para permanecer na mesma direção e sentido no futuro; reconhecemos as incertezas, isto é, as perguntas para as quais não temos resposta; e mapeamos os fatos portadores de futuro, cujo comportamento não é possível prever, pois representam sinais ínfimos no ambiente. Nesse processo, também detectamos as surpresas inevitáveis: as sementes de futuro com alta probabilidade de ocorrência, mas que ainda não estão em operação no presente. Depois de organizar as sementes de futuro, analisamos as tendências e as agrupamos, tentando identificar a força por trás desses agrupamentos. Chamamos essa força de megatendência. Foram identificadas 26 megatendências, 49 tendências, 44 surpresas inevitáveis e 86 incertezas. Todas essas possibilidades estão descritas e justificadas no livro.
Uma das megatendências apontadas pelo estudo é a adaptação do Estado frente aos novos desafios sociais e populacionais. Neste sentido, quais as perspectivas para o Brasil e o setor Saúde no horizonte dos próximos 20 anos?
A primeira questão a ser observada é o aumento da expectativa de vida. Uma população que vive mais demandará mais do sistema de saúde. Outra tendência importante é o aumento significativo do uso da tecnologia, o que irá requerer investimento do Estado em infraestrutura e desenvolvimento tecnológico. Outros desafios vêm do comportamento da sociedade. Com o aumento do nível educacional da população, espera-se maior exigência em relação à qualidade dos serviços públicos. Por outro lado, uma população melhor educada tende a atingir melhores níveis de qualidade de vida e, consequentemente, de saúde.
Todos os cenários levam ao aumento dos gastos públicos com o setor Saúde. E, sobretudo em um contexto de crise econômica, é preciso usar a criatividade e fazer mais com menos. Não há outra saída. Portanto, é necessário investir em gestão pública, seguir o princípio de responsabilidade fiscal, apontado como uma das megatendências como uma questão de governança global; empregar inteligentemente os recursos disponíveis; reduzir a burocracia e o desperdício; e fazer escolhas acertadas, de forma a gerar os melhores resultados futuro.
A pesquisa indica que, até 2030, a ideologia da globalização, com base no mercado e nos princípios democráticos, continuará a ser o principal sistema de ideias no mundo. Quais os desdobramentos para a Saúde, considerando a recente abertura do setor ao capital estrangeiro?
A força da globalização é inquestionável. É uma tendência que não tem volta e que impacta todos os setores da sociedade. Nesse contexto, serão cada vez maiores a entrada e a participação do capital estrangeiro no país. O que precisamos observar é como este capital que vem dos países desenvolvidos servirá ao Brasil. Somos um país continental, com grandes desafios relacionados a doenças tropicais que não fazem parte da agenda dos países desenvolvidos. Portanto, precisamos nos perguntar: esse capital estrangeiro irá contribuir para solucionar desafios nacionais na área de saúde? Haverá investimento em pesquisa e inovação para atender as necessidades de saúde da população brasileira?
Quais os cenários futuros para o Brasil e o setor Saúde, em um contexto de incremento dos campos da Nanotecnologia e da Biotecnologia?
A Nanotecnologia e a Biotecnologia são áreas portadoras de futuro. Há muito espaço para novas descobertas, se houver investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação. O Brasil deveria eleger um mercado específico para investir e se tornar um player global dessas novas tecnologias. Não podemos ficar à mercê de tecnologias que serão trazidas e implantadas por multinacionais que não compartilham a agenda e as necessidades de nosso país. Não é possível dominar todas as áreas, portanto, é necessário fazermos escolhas. Por exemplo, garantir a produção nacional e o fornecimento interno de tecnologias e insumos para a Saúde é fundamental para fazer com que esses recursos cheguem à população, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). E investimentos em pesquisa nas áreas de Nanotecnologia e Biotecnologia poderiam contribuir para tanto.
Dentre os desafios globais para as próximas décadas destaca-se o aumento da demanda por água, alimentos e energia. Quais os impactos deste cenário de escassez?
Em nosso estudo verificamos a manutenção das tendências relacionadas às mudanças climáticas, uma pressão cada vez maior sobre os recursos energéticos e hídricos, bem como o aumento da demanda por alimentos. Observamos a classe média aumentar ao redor do mundo e esta tendência leva ao aumento global da demanda e do consumo de todos os tipos de recursos, principalmente alimentos, água e energia. Tudo isso pressiona o meio ambiente. É necessária uma mudança nos modelos de produção e de consumo. Isso não é fácil, é uma questão cultural muito forte. Precisaremos de mais de uma geração para consolidar a perspectiva do desenvolvimento sustentável. É fundamental investir na educação das crianças a partir desta ótica – só assim será possível criar uma nova sociedade.
Bel Levy
Saúde Amanhã
28/03/2016