Em todas as projeções para o futuro, o Brasil é o país que menos aumentará o gasto público per capita com serviços de saúde – e mudar esse cenário é imprescindível para fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS), reduzir as desigualdades sociais e se aproximar dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU) para 2030. A conclusão é do seminário on-line “O Brasil depois da pandemia: Perspectivas do Financiamento da Saúde e Relações Público-Privado no Brasil”, realizado dia 15 de março pela iniciativa Brasil Saúde Amanhã, com transmissão pela VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz. Durante o evento, os pesquisadores Marco Antônio Rocha, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Ligia Bahia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Fernando Gaiger, do Instituto Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apresentaram os resultados dos Textos para Discussão desenvolvidos para a iniciativa Brasil Saúde Amanhã.
TD 43 – Os fluxos financeiros no financiamento e no gasto em Saúde no Brasil – Fernando Gaiger Silveira, Gustavo Souto de Noronha, Francisco R. Funcia, Roberto Luís Olinto Ramos, Ricardo Montes de Moraes,, Leonardo Costa de Castro, José Carvalho de Noronha
TD 51 – Empresas de Planos de Saúde no Brasil: Crise Sanitária e Estratégias de Expansão
Lucas Salvador Andrietta, Artur Monte-Cardoso, Jose Antônio de Freitas Sestelo, Mario César Scheffer, Ligia Bahia
TD 52 – Reestruturação do Setor Privado de Serviços de Saúde: Atualidade e Perspectivas
Marco Antonio Rocha
A abertura ficou a cargo do sanitarista Paulo Gadelha, coordenador da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030, que reforçou a importância do marco global da ONU para o setor Saúde e, especialmente, para o financiamento do SUS durante a pandemia. “A crise sanitária que vivemos exacerba a necessidade de um sistema de saúde forte, que siga o mote da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável: ‘não deixar ninguém para trás’. A importância do SUS tem ganhado muita visibilidade nesse contexto. Mas a prospecção de cenários futuros a médio prazo mostra que questões estruturais de nosso sistema de saúde, como o seu financiamento, não estão sendo incorporadas no planejamento do país”, afirmou Gadelha.
O coordenador executivo da iniciativa Brasil Saúde Amanhã, José Carvalho de Noronha, foi responsável pela moderação do evento e destacou os temas abordados pelos estudos e seminários promovidos pela rede de pesquisa. “Há 10 anos realizamos exercícios de prospecção de futuro para o Brasil e o setor Saúde, sempre no horizonte móvel dos próximos 20 anos. Todo o programa é organizado em torno do sistema de serviços de saúde e de suas interrelações com o macrocenário global e com questões mais específicas, como o financiamento setorial, a organização dos cuidados em saúde e o Complexo Econômico e Industrial da Saúde (CEIS). No ano passado, com a emergência da Covid-19, reorientamos o olhar para o pensar o Brasil e o SUS no futuro pós-pandemia”, resumiu Noronha, que é pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz).
Setor privado: padrões de concorrência e perspectivas para o futuro
O economista Marco Antônio Rocha deu início às apresentações com uma palestra sobre as projeções realizadas no Texto para Discussão 52 – Reestruturação do Setor Privado de Serviços de Saúde: Atualidade e Perspectivas. O economista analisou como a organização do padrão de concorrência do setor privado da Saúde vem se modificando desde a década de 1990, sobretudo a partir do avanço do capital financeiro global sobre a prestação de serviços de saúde, e ressaltou a incorporação de tecnologias como uma tendência importante para o setor Saúde no presente e no futuro.
“A entrada de fundos financeiros estrangeiros no setor Saúde brasileiro está relacionada à expansão do mercado privado, ao aumento da renda agregada, à concentração de capital e à verticalização dos serviços de saúde”, explicou Rocha. Em relação ao futuro, o economista assinalou a presença dos fundos financeiros estrangeiros por mais tempo no cenário nacional, principalmente frente à demanda de novas tecnologias pelo sistema de saúde. “O CEIS está no centro desta discussão. O processo de automação que observamos em diferentes áreas tende a se intensificar em todos os elos da cadeia de serviços de saúde”, finalizou o pesquisador.
Pandemia de Covid-19: crise ou oportunidade?
A sanitarista Ligia Bahia abordou os impactos da pandemia de Covid-19 sobre o setor privado de Saúde no Brasil – tema do Texto para Discussão 52 – Empresas de Planos de Saúde no Brasil: Crise Sanitária e Estratégias de Expansão. Como tendência para o futuro, Ligia destacou o agravamento da situação econômica mundial, que deverá ocorrer de forma heterogênea. “Se, de um lado, podemos esperar uma piora nos indicadores da economia global, por outro, sabemos que a crise sanitária traz benefícios financeiros para a indústria farmacêutica e as operadoras de planos de saúde”, apontou.
“Não podemos dizer que todos os efeitos da pandemia são responsabilidade das empresas de planos de saúde. Mas afirmamos que a omissão de auxílio dessas empresas é relevante no momento de emergência sanitária, pois contrasta com o argumento de que as operadoras de planos contribuem para aliviar o SUS”, ponderou Ligia. Para a pesquisadora, o SUS sairá fortalecido, simbolicamente, desta emergência sanitária, mas o subfinanciamento crônico do sistema de saúde pública brasileiro deve persistir nas próximas décadas. “Conseguimos superar, um pouco, a ideia de que o SUS não presta. Hoje ele está bem valorizado na sociedade. Entretanto, em relação ao financiamento setorial e à oferta de serviços, sairemos menores. E isso é uma tragédia”, sentenciou.
Gastos em Saúde no Brasil
Co-autor do Texto para Discussão 43 – Os Fluxos Financeiros no Financiamento e no Gasto em Saúde no Brasil, o economista Fernando Gaiger reconheceu que os cenários futuros projetados para os próximos 20 anos já se demonstravam desfavoráveis para o financiamento público da Saúde antes da emergência sanitária provocada pelo novo coronavírus. No estudo desenvolvido para a iniciativa Brasil Saúde Amanhã, Gaiger analisou as fontes de financiamento da Saúde, a performance do Brasil com o gasto público neste setor nos últimos anos e os cenários possíveis para as próximas décadas. E, em sua apresentação, alertou para a mercantilização dos serviços de saúde, tendência em curso no Brasil há muitos anos e intensificada no contexto da pandemia de Covid-19.
“Observamos uma grande desigualdade nos gastos público e privado com serviços de saúde, o que se reflete em desigualdades no acesso da população à rede de cuidados. O caminho para superar esse quadro é reduzir o subsídio com o gasto privado e aumentar o gasto público com a Saúde”, concluiu o pesquisador.