Como serão as cidades brasileiras após a pandemia de Covid-19? Esta foi a pergunta norteadora do seminário “O Brasil depois da pandemia: Saúde e Cidades”, promovido dia 25 de outubro pela iniciativa Brasil Saúde Amanhã, com transmissão ao vivo pelo canal da VideoSaude Distribuidora da Fiocruz no Youtube. Durante o evento, pesquisadores do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Fiocruz Minas apresentaram novos estudos de prospecção de futuro publicados em acesso aberto no portal Saúde Amanhã, na seção Textos para Discussão.

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Assista ao seminário na íntegra

Na abertura do evento, o coordenador da iniciativa Brasil Saúde Amanhã, José Noronha, situou os estudos desenvolvidos no contexto da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. “A questão da Saúde nas cidades é explícita no ODS 11 – Cidades e Comunidades Sustentáveis, que visa tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis, e se relaciona com todos os demais. No primeiro semestre deste ano, em parceria com o Observatório das Metrópoles, do IPPUR/UFRJ, organizamos o dossiê número 52 da Revista Cadernos Metrópole, com o tema “Metrópole e Saúde”. Agora é hora de aprofundar o debate”, convidou o sanitarista, que é pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz).

Participaram do evento Luiz Cesar Ribeiro, professor titular do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ) e coordenador do Observatório das Metrópoles; Tadeu Oliveira; pesquisador do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); Juciano Martins Rodrigues, pesquisador e membro do Comitê Gestor do Observatório das Metrópoles; Waleska Teixeira Caiaffa, professora titular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenadora do Observatório de Saúde Urbana; e Leo Heller, pesquisador da Fiocruz Minas e ex-relator das Nações Unidas para os direitos humanos à água e ao saneamento. A moderação foi conduzida pelo geógrafo Ricardo Dantas, pesquisador do Icict/Fiocruz.

Cidades hoje e amanhã

Luiz Cesar Ribeiro abriu o debate saudando o reencontro entre as pautas da Saúde e das Cidades e apresentou o estudo “A periferização do Brasil e o futuro das cidades: bem-estar e rentismo”.  “O desenvolvimento nacional deve ser aliado das práticas de reforma sanitária e urbana e, por isso, a articulação entre os campos da Saúde e das Cidades é tão importante. Essa relação, potencializada pela pandemia de Covid-19, é essencial para pensarmos políticas públicas para hoje e para amanhã”, afirmou o pesquisador. Ribeiro definiu a cidade como “um meio, urbano, construído, e apropriado em um padrão de desenvolvimento capitalista”. Para ele, no mundo contemporâneo o rentismo expressa uma característica fundamental desse padrão de desenvolvimento, que opera de forma a conduzir a organização das cidades em função do acúmulo de capital e por meio dos blocos de poder que compõem a economia política da cidade. “Nesta organização também se engendram as rotinas de trabalho, precarizadas ainda mais na pandemia. Tudo isso mobiliza a extração de renda para o acúmulo do capital”, descreveu o pesquisador.

Para Juciano Rodrigues, a gestão e o planejamento urbano estão entre os desafios potencializados pela pandemia de Covid-19. Ao apresentar o Texto para Discussão 78 – A pandemia de Covid-19 no Brasil: um olhar sobre nossa condição metropolitana, produzido em parceria com Luiz Cesar, destacou que entender como a condição metropolitana influi na vida dos brasileiros é estratégico para a formulação de políticas públicas. “A complexidade das redes urbanas e de seus níveis de conectividade direciona estudos que mostram as cidades como porta de entrada para novas variantes do coronavírus, por exemplo. Além disso, a metropolização está ancorada no crescimento econômico e na industrialização nacional e conforma as disposições econômicas e sociais dos territórios. As persistentes desigualdades socioeconômicas nacionais, acentuadas pela pandemia de Covid-19, promoveram mais demandas sociais, gerando sobrecarga aos serviços coletivos”, afirmou.

Acesso a água e saneamento básico

Ao compartilhar os resultados do Texto para Discussão 75 – Concentração e dispersão urbana: o que nos reserva o futuro próximo?, escrito em coautoria com Maria Monica O ́Neill, Tadeu Oliveira trouxe para o debate os impactos das concentrações urbanas e ressaltou que, ainda que os impactos da pandemia de Covid-19 possam trazer mudanças no cenário, a tendência para as próximas décadas é que o processo de concentração urbana seja liderado principalmente pelo crescimento das cidades médias.

“A inserção do país na economia global do capital se reflete na organização territorial quando, geopoliticamente, o Brasil se adequa às demandas do agronegócio e do extrativismo mineral. Essas esferas econômicas implicam, por exemplo, nas migrações demográficas e nas áreas de concentração ou esvaziamento das cidades”, apontou o pesquisador.

Leo Heller, que assina o Texto para Discussão 76 – Saneamento básico no Brasil: perspectivas e a saúde nas cidades ao lado de Alex Moura de Souza Aguiar, destacou os riscos associados à lei 1.426, de 2020, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico, com implicações diretas sobre o abastecimento de água e o acesso a esgotamento sanitário. “A nova legislação representa o poder de mercado, expresso na lucratividade do ramo de saneamento. Os novos dispositivos legais favorecem relações exercidas com o setor privado: apenas quatro empresas que fornecem o serviço de saneamento controlam 70% desse mercado. Esse cenário é preocupante porque o acesso à água e ao esgotamento sanitário é um direito humano e, também, uma das metas da Agenda 2030, expressa pelo ODS 6 – Água Potável e Saneamento, entre outras. E, no Brasil, esse direito é negligenciado para 45% da população, no que diz respeito à água, e para 55% dos brasileiros, que não têm esgotamento sanitário adequado”, alertou o pesquisador da Fiocruz Minas.

Intersetorialidade

As desigualdades nas cidades e suas implicações para a saúde dos cidadãos das metrópoles foram o mote da apresentação de Waleska Teixeira Caiaffa, que assina o Texto para Discussão 77 – Saúde urbana, cidades e a interseção de sistemas: panorama, agenda, gaps, oportunidades e perspectivas com Amanda Cristina de Souza Andrade e Aline Dayrell Ferreira Sales. “O território urbano atua no processo de produção, estruturação e reprodução das desigualdades econômicas e sociais. Olhar para as cidades sob a perspectiva da Saúde é um exercício de intersetorialidade que evidencia os impactos das iniquidades na qualidade de vida dos cidadãos que residem em áreas periféricas, mais sujeitos a sofrerem violência urbana, por exemplo”, concluiu.