Por Akira Homma, Reinaldo M. Martins, Artur Couto e Cristina A. Possas*
O SUS tem sido alvo de muitas críticas com relação às suas atuais insuficiências e distorções e recentes pesquisas de opinião vêm constatando que, na percepção da sociedade brasileira, a saúde aparece como prioridade primeira a ser enfrentada em caráter emergencial. Um aspecto nem sempre valorizado nessas análises é a importância decisiva para o SUS das tecnologias preventivas e terapêuticas de alto impacto e baixo custo, como vacinas, kits para diagnóstico e monitoramento e biofármacos, entre outras, cruciais para o bom desempenho de Sistemas Nacionais de Saúde. O enfrentamento desta questão requer necessariamente, uma política específica e um planejamento estratégico nacional para os próximos 20 anos. Para tanto, será necessário promover a adequada articulação, hoje praticamente inexistente, entre o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia e Inovação e o Sistema de Saúde, articulados ao setor produtivo.
O cenário global do campo das vacinas, kits para diagnostico e biofármacos, vem se transformando muito rapidamente. Já há muitos anos os países desenvolvidos investem fortemente na pesquisa básica, desenvolvimento tecnológico e inovação. Além dos investimentos governamentais, grupos privados investem muito mais no desenvolvimento e inovação tecnológica, que ocorrem nas “start-ups” e centenas de pequenas empresas de biotecnologia. Novos importantes produtos para a Saúde Pública e a área médica, de complexidade tecnológica muito maior, chegarão ao mercado em futuro muito próximo. Os enormes investimentos destes países e das multinacionais aumentarão a sua competividade, e ao mesmo tempo também aumentará o gap tecnológico existente entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento.
É necessário fortalecer e incentivar a participação de todos os setores do governo federal, estadual e municipal. As Universidades e Instituições de Pesquisa devem focar nos problemas e desafios do país e trabalhar em projetos de inovação tecnológica junto com as indústrias em parceria de longo termo. Deve haver uma combinação e sintonia entre os incentivos governamentais e as empresas públicas e privadas, buscando elevar o nível de investimentos, que hoje são inferiores às necessidades. Deve-se buscar ainda a integração da ciência e tecnologia, e apoiar projetos estruturantes e formação de recursos humanos especializados.
Com esta perspectiva o Brasil deve rever em caráter de urgência, as atuais Politicas de incentivos à inovação e ao Desenvolvimento Tecnológico. Deve buscar uma Politica, com forte ênfase em ciências básicas e na fronteira do conhecimento, dotando-a de infraestrutura e as melhores condições operacionais como formação especializada e salários compatíveis com alta qualificação, capaz de atrair profissionais que hoje estão no exterior, buscando comprometimento com a descoberta e resultados, aliando os conhecimento científicos com a tecnologia. Esta política deve privilegiar propriedade intelectual, como patentes, em vez de somente trabalhos publicados. Políticas semelhantes às que o Japão, a Coréia, a China adotaram com sucesso devem ser adaptadas à nossa realidade e rapidamente implementadas. Essas politicas são necessárias para reverter o atual quadro de aumento de dependência e defasagem tecnológica, que afeta gravemente o SUS, cuja tendência é de aumentar, mantidas as condições atuais.
Neste momento pós-eleitoral, ainda de debate das propostas dos candidatos, é necessário refletir sobre o tema e apresentar alternativas viáveis para a mudança do atual cenário de dependência. É necessária e urgente uma verdadeira revolução tecnológica e de politicas para este setor. Infelizmente, ainda há grupos que defendem a proposta de que o governo deveria comprar no mercado internacional as vacinas e outros insumos preventivos e terapêuticos necessários, pois existe oferta global a baixo custo; e por consequência, não há porque investir tanto esforço em fortalecimento da capacidade tecnológica nacional. Esta visão é de curtíssimo prazo, e uma armadilha, pois, além de promover a dependência, subjuga o SUS aos fornecedores multinacionais que buscam sempre em primeiro lugar o lucro, em detrimento do acesso; deixarão de produzir e provocarão o desabastecimento com prejuízos incalculáveis para a Saúde Pública, no momento que resolverem cancelar a linha de produção por razões econômicas. Esta experiência foi vivenciada por nós várias vezes.
Precisamos fazer um esforço concentrado para ter no país uma política de Estado voltada às tecnologias preventivas e também terapêuticas, devidamente financiadas, definindo como prioridade o fortalecimento da capacidade tecnológica para desenvolver e produzir de forma autóctone os insumos estratégicos para o país, e com isso garantir o acesso a estes produtos para a população em geral.
*Akira Homma é presidente do Conselho Politico e Estratégico do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), Artur Couto é diretor de Bio-Manguinhos e Reinaldo M. Martins e Cristina A. Possa são assessores científicos do Conselho Politico e Estratégico da unidade da mesma unidade da Fundação.
**O artigo foi originalmente publicado no jornal O Globo em 12/11/2014.
Agência Fiocruz, 13/11/2014