“Participar da rede Brasil Saúde Amanhã é uma oportunidade ímpar de contribuir com o aprimoramento da saúde pública e com o desenvolvimento do país”. A declaração é de Umberto Trigueiros Lima, diretor do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict), unidade da Fiocruz que se dedica à produção de informação em saúde e abriga a iniciativa para prospecção estratégica do futuro do sistema de saúde brasileiro. Nesta entrevista ele comenta os desafios colocados pelo exercício de prospecção estratégica de futuro e declara: “Precisamos conhecer quais são as potencialidades do Brasil em curto, médio e longo prazo e definir como as aplicaremos na prática, de forma a consolidar um Estado moderno, democrático e de bem-estar social. Para isso, é imprescindível prospectar cenários futuros”.
Por que é importante investir na prospecção estratégica do futuro do sistema de saúde brasileiro, como faz a rede Brasil Saúde Amanhã?
Prospectar o futuro é uma atividade necessária para que se construa um projeto de país. Precisamos conhecer quais são as potencialidades do Brasil em curto, médio e longo prazo e definir como as aplicaremos na prática, de forma a consolidar um Estado moderno, democrático e de bem-estar social. Para isso, é imprescindível prospectar cenários futuros. Isso é fundamental em todos os setores da sociedade e especialmente na Saúde, que por ser tão transversal mobiliza muitos outros campos. Naturalmente, a Saúde mobiliza toda a área social. Mobiliza, também, o campo das políticas públicas e toda a dimensão econômica, por meio do grande volume de recursos financeiros e orçamentários que utiliza. E mobiliza, ainda, os esforços do país para a Ciência, a Tecnologia e a Inovação, no sentido de construir um Complexo Econômico e Industrial capaz de atender as demandas da população, que se renovam cada vez mais intensamente. Então precisamos prospectar cenários para entender como as ações do presente irão repercutir no futuro – e assim definir quais são as políticas públicas mais adequadas para o país. Os recursos não são infindáveis e os problemas são muitos, portanto, precisamos nos preparar e olhar antecipadamente, por um viés estratégico, para os próximos 20 anos.
Como a rede Brasil Saúde Amanhã está alinhada à missão do Icict?
A iniciativa traduz a missão do Icict ao disponibilizar, em acesso livre, informações em saúde que subsidiarão a definição de políticas públicas. Para o Icict, que atua a partir da tradição e da expertise em trabalhar com informação em saúde, participar da rede Brasil Saúde Amanhã é uma oportunidade ímpar de contribuir com o aprimoramento da saúde pública e com o desenvolvimento do país. Por isso, colocamos à disposição do projeto nossa expertise na realização de inquéritos, na avaliação de informação em saúde e na análise de dados. Precisamos reconhecer que no Brasil não há uma tradição em desenvolver estudos com a abordagem da prospecção estratégica de futuro. Por isso assumir este desafio tão importante significa, também, difundir a relevância deste tipo de iniciativa. Além disso, é preciso interpretar e disponibilizar os dados e informações gerados pela rede de pesquisa para os tomadores de decisões do país, bem como polemizar as metodologias utilizadas com a academia e os gestores da Saúde. E hoje, na era de informação digital, nada mais adequado que reunir todo esse conhecimento em um ambiente web, acessível, interativo e democrático.
Frente ao atual cenário político e econômico do país, que desafios se colocam para o SUS nos próximos anos?
Este é um embate político que diz respeito ao projeto de país que queremos construir. A situação não está dada, mas percebemos claramente que há sinais perigosos de retrocesso em relação aos direitos sociais. Precisamos estar atentos, pois uma série de medidas políticas vêm descaracterizando o projeto original do SUS e comprometendo a sua universalidade e equidade, a sua descentralização, a sua efetiva gestão participativa e, também, os investimentos e recursos necessários ao pleno funcionamento de um sistema público de saúde, gratuito e de qualidade. Basta olhar para o parlamento brasileiro para perceber que a correlação de forças não é favorável à garantia dos direitos previstos pela Constituição Federal de 1988. Medidas como a abertura da Saúde ao capital estrangeiro e mobilizações para a ampliação da rede privada, como o projeto de lei para tornar obrigatório empresas fornecerem planos de saúde para seus funcionários, apontam para um movimento de mercantilização da Saúde que é extremamente nocivo para a sociedade brasileira. E esta não é uma alternativa viável para um sistema de saúde que precisa atender uma população tão grande e diversa como a brasileira.
Essa realidade transborda para outros setores, como a Educação e a Seguridade Social. Cortes na área social certamente irão afetar o desenvolvimento do país e a qualidade de vida da população e é necessário entender por que isso acontece e quais serão as consequências deste processo em curto, médio e longo prazo. Hoje, há uma incapacidade política de gravar, em termos de impostos, quem deveria pagar esta conta: o capital financeiro e os setores mais abastados da sociedade. Para isso acontecer, é preciso que tenhamos, no parlamento e no embate político na sociedade, uma correlação de forças mais favorável ao estado de bem-estar social. Entretanto, o Brasil permanece com um modelo de sustentação econômica com grande relevância para a exportação de commodities, o que dá aos grandes empresários do agronegócio, aos exportadores e ao capital financeiro um peso político enorme no país, além dos grandes interesses do capital estrangeiro. Isto tem conduzido a que os interesses do grande capital privado continuem prevalecendo nas definições de diferentes políticas, seja na área da Economia, na Saúde ou em muitos outros setores.
O que poderia ser feito no presente para que, no horizonte dos próximos 20 anos, seja possível efetivar o SUS conforme previsto na Constituição Federal?
A nós, que desenvolvemos estudos de prospecção estratégica de futuro, cabe mostrar, para o poder público e para a sociedade, o que deve ser feito. Neste sentido, a rede Brasil Saúde Amanhã apresenta três cenários para a saúde pública brasileira: o otimista e possível; o pessimista e plausível; e o inercial e provável. Se quisermos consolidar um sistema de saúde público, universal, gratuito e de qualidade, capaz de cumprir as metas a que se destina, precisamos seguir o caminho para o cenário otimista. Cabe a nós colocar este conhecimento à disposição do país e então cada área se posicionará politicamente. Acreditamos que as pessoas e os setores que participaram do Movimento da Reforma Sanitária vão se mobilizar para conseguir um melhor modelo de financiamento da Saúde e um sistema mais adequado para regulação da rede privada e da vigilância sanitária.
Nós iremos atuar sempre no sentido de disponibilizar dados, informações e todo o conhecimento necessário para fortalecer esta luta. A Fiocruz é uma instituição de muita tradição. São 115 anos e em todo este tempo já passamos por diferentes conjunturas políticas, o que nos faz ser suficientemente fortes para passar por qualquer situação de crise. Mas, sem dúvida, toda atuação de pesquisa, ensino e política pública será maximizada ou minimizada de acordo com a conjuntura política do país e a disponibilidade econômica para o setor Saúde. Por isso, sobretudo em uma democracia, é preciso que o embate político ocorra com transparência e ética. Nós vamos gerar e disponibilizar em acesso livre informação de qualidade para as tomadas de decisão do país. Caberá aos órgãos competentes usar todo esse ferramental de forma a construir a nação desejada para o futuro.
Equipe Saúde Amanhã, Bel Levy, 06/07/2015