Graduada em Sociologia, com mestrado em Antropologia Social (UFRJ) e doutorado em Saúde Pública (Fiocruz), Cecília Minayo é pesquisadora emérita da Fundação Oswaldo Cruz e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), e coordena, desde 1998, o grupo de pesquisa “Violência em Saúde”. A primeira entrevistada de 2020 do Observatório de Análise Política em Saúde (OAPS) já recebeu prêmios como a “Medalha de Mérito da Saúde Oswaldo Cruz” (Ministério da Saúde – 2009) e o Prêmio de Direitos Humanos (Presidência da República – 2014). Na entrevista, a professora aborda os estudos acerca dos efeitos da violência sobre a saúde da população, a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violência (PNRMAV) e a incorporação da violência na agenda da saúde, políticas de armamento e as relações entre desigualdade e violência: “A desigualdade, a meu ver, é o maior calcanhar de Aquiles da sociedade brasileira. Seu acirramento pode sim impactar o quadro de violência no país por diminuir as oportunidades das pessoas progredirem, por restringir o acesso aos bens materiais, culturais e simbólicos, por isso, estreitar as possibilidades de desenvolvimento das crianças e jovens, as maiores vítimas da violência interpessoal, comunitária e armada”. Boa Leitura!

 

Observatório de Análise Política em Saúde (OAPS): Você é coordenadora científica do Departamento de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/ENSP), criado com objetivo de investigar o impacto da violência sobre a saúde da população brasileira e latino-americana. Quais as principais contribuições das pesquisas na área para compreender as repercussões da violência na saúde dos/as brasileiros/as? O que dizem os dados referentes à morbimortalidade por violência no Brasil?

 

Cecília Minayo: Cecília Minayo: Desde a Assembleia Mundial de 1996, a OMS [Organização Mundial da Saúde] incluiu a violência como um problema a ser tratado pelos Sistemas de Saúde dos seus países membros. O alerta foi especial para a região das Américas, a mais violenta do planeta. Esse chamamento foi reforçado em 2002 com uma obra monumental chamada “Relatório Mundial sobre Violência e Saúde”, que buscou rever e incluir em sua bibliografia uma imensidade de reflexão que já estava sendo realizada pelos profissionais e trabalhada pelos pesquisadores. No caso do Brasil, a produção científica foi se incrementando a partir dos anos 1990, embora anteriormente houvesse estudos epidemiológicos, médicos e psiquiátricos esparsos que o Claves conseguiu reunir num levantamento publicado em 1990.

 

O trabalho do Claves (que é interdisciplinar e articulado com outras áreas, por exemplo, a de segurança pública) ressalta: (1) que violência não é sinônimo de delinquência, o que costuma parecer ao senso comum. Ela é muito mais abrangente; (2) a violência tem muitas formas de manifestação (homicídios, suicídios, agressões interpessoais) que se traduzem em abusos físicos, psíquicos, sexuais, negligências, dentre outros – e todos eles se potencializam mutuamente; (3) por ser uma questão social, a violência carrega em suas manifestações os problemas sociais, desigualdades, especificidade de faixa etária, raça/cor; (4) estudos sobre a situação mundial mostram que globalmente estão diminuindo os suicídios, os homicídios e os acidentes (é preciso ver a situação dentro de cada país e localidade). Portanto, é possível prevenir a violência, assim como reduzi-la.

 

Observatório de Análise Política em Saúde (OAPS): E quanto aos efeitos da violência no sistema de saúde brasileiro, o que as pesquisas mostram em termos, por exemplo, de organização de práticas e serviços de saúde e gastos com emergência, assistência e reabilitação?

 

Cecília Minayo: Em 2005 fizemos uma primeira avaliação da PNRMAV [Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violência]. Essa política havia sido aprovada em 2001. O tema tem muita dificuldade de ser absorvido pelos profissionais de saúde que tendem a tratá-lo como específico da área de segurança pública. Mas algumas questões haviam avançado em relação aos serviços móveis de emergência e nas políticas para mulheres e para as crianças. Incrivelmente, nesse estudo observamos que na Atenção Primária a política havia sido muito pouco internalizada. A partir de 2005, com a promulgação da Política de Promoção da Saúde, a violência entrou nessa pauta e foram criados vários instrumentos para que a política fosse institucionalizada. É preciso dizer que de 2005 a 2016 havia no Ministério da Saúde um grupo de técnicos altamente empenhados nas práticas de notificação e prevenção da violência. Hoje, estamos esperando para ver. Uma iniciativa importante é que o Claves está sendo convocado para fazer uma nova avaliação da PNRMAV e continuamos ativas/os e vigilantes nesse tema e na busca de uma sociedade menos desigual, mais consciente e inclusiva.

 

Leia aqui a entrevista na íntegra

 

Fonte: Observatório de Análise Política em Saúde