Emprego pleno e trabalho decente para todos, como reflexo de um modelo de industrialização inclusivo e sustentável. Essas são apenas algumas das metas propostas pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações Unidas (ONU), para 2030. Elas foram abordadas durante o painel “Desenvolvimento e Sustentabilidade”, do seminário “Saúde, Ambiente e Desenvolvimento Sustentável”, promovido em setembro pela rede Brasil Saúde Amanhã, na Fiocruz. As metas da ONU completaram dois anos dia 25 de setembro, lançando sobre o mundo o desafio de integrar os três pilares do desenvolvimento: social, econômico e ambiental.
Assista à síntese do painel “Desenvolvimento e Sustentabilidade”
Para o economista Raphael Padula, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), há desafios e oportunidades para o países em desenvolvimento, como o Brasil, no sistema político internacional. No evento, ele ressaltou a importância dessas nações atuarem de forma estratégica nas cooperações globais. “O termo cooperação traz a ideia de que todas as partes ganham, mas isso nem sempre significa que todos têm vantagem relativa, já que, muitas vezes, os ganhos não são simétricos”, ressaltou.
Essa lógica de cooperação global não está alinhada ao ODS 10, que se refere à “redução das desigualdades dentro dos países e entre eles”. Para que esta meta da ONU seja alcançada, as nações emergentes precisarão agir de forma estratégica no cenário global e vencer as forças das potências que buscam manter o status quo e aprofundar as vantagens competitivas estabelecidas pelas atuais regras internacionais. Para os próximos 20 anos, o cenário é de disputa geopolítica, em um sistema marcado por assimetrias de renda e de desenvolvimento tecnológico entre os países.
Cenários para a cooperação internacional
“Nos acordos multilaterais, as potências têm menor poder de influência. Essas negociações, a meu ver, tendem a ficar estagnadas nas próximas décadas. A tendência é que os países busquem avançar em acordos bilaterais e regionais”, afirmou Padula, que traçou quatro cenários possíveis para daqui a 20 anos. O primeiro, muito pessimista para os países em desenvolvimento, é marcado pela continuidade das regras comerciais atuais, que buscam aprofundar as assimetrias de poder e a concentração de riqueza no sistema internacional.
Uma tendência, nesse cenário, seria a estratégia das potências hegemônicas de negociar acordos bilaterais ou regionais favoráveis a seus interesses, fora das organizações multilaterais, inclusive no campo da propriedade intelectual, com mecanismos ainda mais restritivos do que os do atual acordo TRIPs, da Organização Mundial do Comércio (OMC). Nesse contexto, os países emergentes iriam a reboque dos interesses dos países desenvolvidos, alinhando-se a esses acordos, aceitando e aprofundando suas regras, sem buscar alternativas.
Dois cenários são intermediários. O primeiro pressupõe que os países desenvolvidos serão bem sucedidos em impor e manter regras favoráveis aos seus interesses, mas, por outro lado, os países em desenvolvimento buscarão alternativas em cooperações Sul-Sul e atuarão de forma organizada nas negociações Norte-Sul. O segundo sinaliza o esforço bem sucedido de nações emergentes, como Índia, China e Rússia, na reforma das regras internacionais, inclusive com a criação de instituições alternativas às organizações multilaterais que hoje lhes são desfavoráveis. Os demais países em desenvolvimento, entretanto, não adeririam a esses esforços e buscariam, por fora das organizações multilaterais, acordos Norte-Sul, segundo o pesquisador, desvantajosos.
“O cenário otimista prevê que os países mais promissores, como China e Rússia, conseguirão atrair as nações em desenvolvimento para sua esfera de influência. Dessa forma, poderão ser bem sucedidos na reforma das regras internacionais e criar organizações paralelas”, resumiu Padula.
Do global para o local
Depois da análise do panorama internacional, o economista Carlos Gadelha, coordenador das Ações de Prospecção da Fiocruz e pesquisador do Grupo de Inovação em Saúde da Fundação, trouxe o foco do debate para a realidade interna aos países. O palestrante demonstrou a centralidade da indústria no padrão nacional de desenvolvimento e ressaltou o papel decisivo do setor de serviços para o desenvolvimento da indústria. “Sociedades complexas e países com dimensão continental têm serviços – incluindo os de Saúde – de alto valor agregado. E reúnem mais conhecimento tecnológico quando contam com uma base industrial forte”, afirmou o pesquisador.
Articulando-se com o ODS 8, que prevê “pleno emprego e trabalho decente para todos” até 2030, o economista destacou que onde há setores industriais desenvolvidos o emprego formal é regra e as remunerações são maiores. “Estruturas industriais mais sofisticadas estão associadas a padrões de distribuição de renda melhores. O contrário também é válido, levando a padrões de equidade precários e ruins. Há uma interrelação entre base produtiva e organização da base política e social”, apontou Carlos Gadelha.
O economista lembrou que o conhecimento acadêmico é decisivo para a inovação e que ela não se converterá em riqueza social se o país não tiver uma base industrial forte. E que o grau de desenvolvimento da indústria também é importante para reduzir a vulnerabilidade da economia e das políticas sociais. “Como o desenvolvimento industrial não gera, naturalmente, benefício social, o Estado precisa entrar nesse processo tanto como instância política para promover a industrialização, como em uma segunda vertente, fazendo com que o padrão tecnológico industrial seja convergente com um modelo de sociedade mais equânime. A vulnerabilidade da estrutura produtiva, no caso de países que não têm base de produção e inovação local, tende a limitar o desenvolvimento sustentável. Por isso digo que não existe desenvolvimento sustentável sem o SUS”, concluiu o economista.
Desafios da alimentação
Os desafios da Agenda 2030 vão além das cidades e das indústrias. Parte importante da Agenda 2030 passa, também, pelo campo. O ODS 2 aponta para a necessidade de “acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável”. No seminário, a discussão foi liderada por Gustavo Noronha, economista do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que abordou a dicotomia entre dois modelos de desenvolvimento rural: o centrado na agricultura familiar e o voltado para o agronegócio.
Para o pesquisador, as mudanças climáticas, a exploração das últimas fronteiras agrícolas e a degradação dos solos no longo prazo, mesmo com o avanço tecnológico, colocam a alimentação da crescente população mundial como um dos grandes desafios da humanidade no século XXI. “De um lado, o modelo da agricultura familiar, que produz 70% do que é servido na mesa do brasileiro. De outro, o agronegócio, voltado para produtos agrícolas não alimentícios, como etanol e celulose, e commodities para o mercado externo, ou seja, que não busca a segurança alimentar interna”, comparou o especialista.
Gustavo Noronha defendeu que a opção agroecológica familiar é a que melhor responderá aos desafios propostos pelo ODS 2 e citou exemplos, como o de Kerala, na Índia. “A cidade, embora com renda per capita baixa, tem um dos melhores Índices de Desenvolvimento Humano (IDHs) do país, com uma população basicamente agrária. Enquanto isso, o restante do mundo vive a dualidade da fome e da obesidade”, pontuou. Para o economista, se buscamos uma estratégia que resolva o problema da alimentação das pessoas e produza alimentos sustentáveis, devemos seguir pela via da agricultura familiar e da reforma agrária. “Não existe desenvolvimento sustentável sem segurança alimentar”, concluiu.
Renata Leite
Saúde Amanhã
02/10/2017