Como determinar a alocação de recursos em um sistema de saúde organizado em redes, de forma a compensar a defasagem social a que alguns segmentos da população são historicamente submetidos? Aplicar modelos matemáticos aos dados disponíveis nos sistemas de informação em saúde é o caminho proposto pelo estudo “Prioridades de investimentos em Saúde no Brasil: subsídios para elaboração de uma proposta metodológica”, conduzido no âmbito da rede Brasil Saúde Amanhã pelo sanitarista Francisco Carlos Cardoso Campos, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O trabalho foi apresentado dia 18 de abril no Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), durante a reunião de difusão “Critérios para Investimentos em Saúde”.

“Este encontro integra os esforços da Fiocruz para o rastreamento de horizontes de futuro e a construção de programas de ação baseados em cenários possíveis para o setor Saúde nos próximos 20 anos. Depois de três rodadas de estudos realizados para identificar os vazios assistenciais de nosso sistema de saúde, o trabalho de Francisco Cardoso propõe metodologias estratégicas para determinar a alocação de investimentos em Saúde, de forma a garantir a equidade”, afirmou José Carvalho de Noronha, pesquisador do Icict e coordenador executivo da rede Brasil Saúde Amanhã.

O estudo é organizado em duas etapas. Primeiro, apresenta uma seleção de abordagens e técnicas para a priorização de investimentos no Sistema Único de Saúde (SUS), um dos requisitos necessários para a distribuição mais equitativa dos serviços de saúde no território nacional. Em seguida, expõe um exercício sobre a sua aplicação: a previsão do número de leitos de Terapia Intensiva Neonatal no estado do Mato Grosso, partindo de um exemplo prático de sua implementação no contexto dos dados atualmente disponíveis nos sistemas de informação do SUS.

“Em um sistema de saúde organizado em redes de atenção, a adoção de métodos de análise espacial e de alocação de recursos tem o potencial de fornecer insumos importantes para a tomada de decisão sobre os investimentos prioritários, levando em conta a distribuição equânime dos serviços”, explicou Cardoso, que desenvolveu a pesquisa com o suporte de uma equipe de técnicos e engenheiros. Partindo desse princípio, o sanitarista apresentou metodologias que podem ser aplicadas para calcular as necessidades de investimentos em infraestrutura sanitária, em especial as análises de acessibilidade geográfica e os modelos de otimização espacial.

 

Modelos matemáticos para apoiar a tomada de decisões

“Num campo hoje dominado por uma linha irracionalista, apelamos para um discurso racionalista, com modelos matemáticos para apoiar a tomada de decisões. Nós temos usado essas ferramentas, principalmente a pesquisa operacional, numa tentativa de substituir a intuição e a experiência por soluções que se aproximam do ótimo matemático”, justificou Campos, que faz uso de algoritmos para definir quais locais devem receber investimentos, considerando as demandas de saúde de toda uma região.

De acordo com o sanitarista, o método proposto pode ser aplicado em qualquer região do país e em todas as áreas da Saúde, desde que estejam disponíveis dados confiáveis e uma equipe técnica apta a encontrar novos padrões matemáticos. “Já estamos aplicando a metodologia em uma parceria com a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais para, por exemplo, definir a distribuição das unidades do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU)”, exemplificou Cardoso.

A apresentação do estudo suscitou o debate sobre a aplicação dos métodos propostos em diferentes contextos. A discussão, moderada pela pesquisadora Luciana Dias de Lima, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), contou com a participação de Isabela Soares Santos, também da Ensp/Fiocruz; Eduardo Levcovitz, do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ), e José Carvalho de Noronha.

Para Isabela, a maior contribuição do estudo é a combinação entre teoria e prática. “Além de apresentar métodos para avaliação e estruturação de critérios para oferta de recursos físicos em saúde, Campos propõe um modelo para aplicação prática da metodologia, o que facilita a apropriação dos resultados por outros trabalhos que pensam o Brasil e o SUS dos próximos 20 anos”, avaliou a pesquisadora, que também é colaboradora da rede Brasil Saúde Amanhã.

Levcovitz destacou a importância da iniciativa para a prospecção de futuro do sistema de saúde. “A vantagem desse tipo de abordagem é construir uma cultura de planejamento. Ainda que sua aplicabilidade não seja imediata, o estudo é um alerta de que este instrumento existe, que esta ciência pode e deve ser praticada. Isso é muito importante sobretudo no ambiente acadêmico, onde estão sendo formadas as novas gerações de profissionais”, considerou o sanitarista.

Por fim, o coordenador executivo da rede Brasil Saúde Amanhã ressaltou o compromisso do projeto em trazer para setor Saúde técnicas de prospecção estratégica e planejamento de longo prazo. “Antever cenários futuros é fundamental, especialmente em um momento em que o horizonte se mostra tão desfavorável à Saúde Pública. Nesse sentido, quanto mais explicitarmos uma base racional para a tomada de decisões, maior será a nossa contribuição”, concluiu Noronha.