A dificuldade de integração dos três entes federativos e a limitada capacidade de autonomia política e financeira dos municípios de pequeno porte são alguns dos principais desafios a serem enfrentados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) hoje e no horizonte dos próximos 20 anos. A avaliação é do médico e deputado federal Chico D’Angelo (PT-RJ). Nesta entrevista, o ex-secretário de saúde de Niterói também discute a criação de uma carreira para o SUS e destaca o Programa Mais Médicos como ação estratégica para ampliar os serviços básicos de saúde.

Em sua opinião, quais os principais desafios colocados pela forma como o sistema de saúde está organizado atualmente?

A desigualdade regional que caracteriza o Brasil é um grande desafio à efetivação de um sistema de saúde pública universal e equitativo. A limitada autonomia política e financeira dos municípios de pequeno porte e a dificuldade de integração dos três entes federativos também são entraves ao pleno desenvolvimento do SUS. Na prática,  no que diz respeito à qualificação da atenção, existe a real necessidade de ampliar a oferta de especialistas, sobretudo nas especialidades que tratam as doenças de maior prevalência em nosso país. E para isso precisamos discutir a viabilidade de uma carreira para o SUS, para que os médicos especialistas se sintam atraídos para se desenvolver profissionalmente junto ao nosso sistema de saúde.

De que forma um gestor precisa enfrentar esses desafios?

No período em que estive como gestor em uma cidade de médio porte esses desafios foram enfrentados com algumas iniciativas importantes. A primeira delas foi montar uma equipe de trabalho qualificada. Em segundo lugar, é de grande importância ter sintonia e diálogo aberto com o gestor maior, que é o prefeito. Além disso, é preciso ter boas relações com outros entes e capacidade política de se articular com a Secretaria Estadual de Saúde, o governo estadual e o governo federal. Através da articulação com o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde (Cosems) também é possível enfrentar alguns gargalos.

Cada município tem uma realidade sanitária e epidemiologica distinta, mas de uma maneira geral, para conseguir dar conta das demandas é preciso trabalhar segundo uma lógica de prioridades. Em um cenário de restrição financeira e orcamentária, se o gestor não souber priorizar o que é mais fundamental para população a situação pode se agravar ainda mais. Uma equipe qualificada é a base para se conseguir um diagnóstico mais rigoroso e preciso dessas necessidades e superá-las.

Em relação à força de trabalho do SUS, que políticas podem ser implementadas para qualificar a atenção e ampliar o acesso?

A recente experiência do Programa Mais Médicos tem demonstrado um acerto na ampliação do acesso aos serviços básicos de saúde. No entanto, por se tratar de uma política de caráter transitório, necessita de medidas qualitativas e quantitativas na formação médica que mantenham e ampliem esse acesso. No que diz respeito à qualificação da atenção existe uma real necessidade de ampliar a oferta de especialistas, sobretudo nas especialidades que tratam as doenças de maior prevalência em nosso país. O SUS precisa de uma política de recursos humanos. O setor Saúde foi o que mais ampliou postos de trabalho na última década e a gestão de todo este contingente ainda é um desafio para nós. Por isso, precisamos discutir a viabilidade de uma carreira para o SUS em um país federativo e de dimensões continentais como o Brasil. E para isso precisamos debater a influência da Lei de Responsabilidade Fiscal nos orçamentos governamentais.

Neste processo, qual a importância da integração entre pesquisas e políticas?

A integração entre política e pesquisas é fundamental para que a gestão pública se realize à luz de critérios objetivos e não empíricos.  O melhor exemplo dessa afirmativa é contribuição que a Fiocruz oferece à nossa sociedade na formulação de políticas públicas, por exemplo, através do projeto Brasil Saúde Amanhã. Mesmo considerando que a construção de cenários pode sofrer mudanças em função de fatores econômicos e políticos, estudos de prospecção estratégica são ferramentas fundamentais para o planejamento e enfrentamento dos desafios trazidos pelo futuro. Quero parabenizar a iniciativa da Fiocruz no desenvolvimento deste estudo e pelo seu pioneirismo na área de Saúde no Brasil.

Marina Schneider
Saúde Amanhã
26/01/2015