“A crise é resultante das persistentes iniquidades sociais e a forma mais contundente de enfrentá-la é reduzir a desigualdade”. A afirmação é do economista Francisco Menezes, coordenador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e consultor do Programa Mundial de Alimentos da Organização das Nações Unidas (ONU) e de Actionaid Brasil. Nesta entrevista, Menezes defende a continuidade e o aprimoramento dos programas sociais desenvolvidos na última década e alerta para os impactos negativos da redução do gasto público na área social. O debate chama atenção para a Agenda 2030 do Desenvolvimento Sustentável, da ONU, que destaca, entre os 17 objetivos propostos, o enfrentamento da pobreza, da fome e a promoção da segurança alimentar.

 Quais as propostas da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, da ONU, no que diz respeito ao enfrentamento da pobreza e da fome?

A Agenda 2030 reconhece e enfatiza que “a erradicação da pobreza em todas as suas formas e dimensões, incluindo a pobreza extrema, é o maior desafio global e um requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável”. Os dois primeiros objetivos tratam do tema e recomendam, respectivamente, a erradicação da pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares, e a promoção da agricultura sustentável e da segurança alimentar como estratégias para garantir a superação da fome. Concretamente, os novos objetivos para o desenvolvimento sustentável recomendam, até 2030, a redução, pelo menos à metade, da proporção de homens, mulheres e crianças, de todas as idades, que vivem na pobreza, em todas as suas dimensões. A Agenda 2030 prevê, ainda, para o mesmo horizonte temporal, a implementação, em nível nacional, de medidas e sistemas de proteção social adequados para todas as pessoas e a criação de marcos políticos sólidos com base em estratégias de desenvolvimento a favor dos pobres e sensíveis a gênero. Tudo isso exige do Brasil um efetivo comprometimento com a redução das desigualdades econômicas e sociais, por meio da manutenção e do aprimoramento dos programas sociais.

Quais os impactos dos avanços sociais conquistados na última década para o setor Saúde?

O Brasil apresentou resultados significativos em suas políticas sociais, dos quais os mais visíveis foram a redução da pobreza, a partir do crescimento da renda, a queda expressiva do desemprego e a superação da fome. Esses avanços têm efeitos substantivos no setor Saúde, já que a pobreza, sobretudo a mais extrema, traz impactos severos sobre a saúde dos mais vulneráveis. Os índices atuais de desnutrição, bem como o decréscimo contínuo da mortalidade infantil, também demonstram impactos positivos das políticas sociais desenvolvidas na última década. Além disso, há que se reconhecer os avanços na área da Saúde, conquistados, por exemplo, pelo programa Mais Médicos, que trouxe esses profissionais para territórios do Brasil que nunca antes tinham tido acesso a eles. Por outro lado, existem fatores que ameaçam – ou mesmo impedem – a continuidade dessas conquistas, como é o caso da crescente privatização do setor Saúde ou das dificuldades na integração entre os entes federativos na execução das políticas públicas.

 No horizonte dos próximos 20 anos, que políticas e ações o Brasil deve implementar no enfrentamento da pobreza?

É chegada a hora de fazer avançar mais celeremente o acesso das pessoas em condição de pobreza a serviços públicos de qualidade. O que acontece, hoje, é que a vida das pessoas pobres melhorou muito da porta de casa para dentro, mas ainda é terrivelmente difícil da porta de casa para fora. Esta imagem ilustra bem a precariedade que persiste no conjunto de serviços essenciais oferecidos à população, como é o caso do transporte, da habitação, da educação, do saneamento e, também, da saúde. O plano Brasil Sem Miséria foi uma experiência exitosa e fundamental para tirar o país do Mapa da Fome Mundial em 2014. Agora, o desafio é garantir o acesso universal e equânime a serviços públicos essenciais, que devem ser gratuitos e de qualidade, como o sistema de saúde e a provisão saneamento básico.

 De acordo com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, o compromisso do país é, nas próximas décadas, assegurar a disponibilidade de água potável e saneamento básico para todos, com a gestão integrada dos recursos hídricos em todos os níveis. Ao mesmo tempo, a situação econômica é preocupante. O capitalismo global vive uma crise de grandes proporções, que atinge com rigor o Brasil. Para enfrentá-la, estamos sob o risco de que seja adotada a velha estratégia de cortes orçamentários e restrições aos programas sociais. Tais fórmulas têm dado errado em todos os países onde são adotadas. É preciso que se ouse fazer justamente o contrário, fortalecendo as economias locais e o mercado interno, expandindo as políticas sociais e reduzindo as desigualdades. A crise é resultante das persistentes iniquidades sociais e a forma mais contundente de enfrentá-la é reduzir a desigualdade.

 Vivenciamos, em escala global, uma pressão crescente sobre o consumo de alimentos, água e energia. Em longo prazo, quais os impactos dessa dinâmica?

A escassez de alimentos, energia e água está relacionada à pressão imposta pelos vultuosos níveis de consumo de nossa sociedade – característica dominante do estágio atual do capitalismo. Se nada for feito, a vida se tornará insustentável, porque o planeta não dará conta de atender tamanha demanda. Nesse sentido, é essencial que se comece, desde já, a trabalhar para a construção de um novo modelo de desenvolvimento, que de um lado garanta o suprimento de carências que os mais pobres ainda enfrentam e, de outro, coloque freios nas práticas de excesso de consumo que atualmente ocorrem. Um modelo sustentável de alimentação passa pela produção de alimentos saudáveis e adequados, com respeito aos hábitos culturais locais e com a valoração daqueles que produzem alimentos sadios. O setor Saúde, então, será muito beneficiado com os resultados que aparecerão a partir de uma alimentação não contaminada e com composição nutricional equilibrada. Os efeitos serão percebidos pela diminuição dos índices de adoecimento e morte e, em longo prazo, pela redução do gasto público com o setor Saúde.

Bel Levy
Saúde Amanhã
18/04/2016