“Inovações para reduzir a iniquidade em saúde: a experiência da Índia com o setor privado” foi o tema da conferência realizada pelo pesquisador e professor da Universidade de Nova Délhi, Venkat Raman, na última sexta-feira, 14 de novembro, na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Primeiro evento aberto ao público do recém-criado Centro de Estudos Estratégicos (CEE/Fiocruz), a conferência integrou uma oficina de trabalho sobre os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Coordenado por Jeni Vaitsman, este projeto pretende elaborar estudos e propostas de cooperação entre esses países na provisão de serviços, redução de pobreza e desigualdades sociais e em saúde e no acesso a medicamentos.
Um dos responsáveis pela pesquisa “Parcerias público-privadas na provisão de saúde para os pobres”, realizada em conjunto com o Instituto de Estudos Sociais da Universidade de Haia, na Holanda, Raman apresentou algumas das peculiaridades do sistema de saúde indiano e apontou que as parcerias público-privadas não devem ser descartadas quando se pretende ampliar o acesso da população a serviços de saúde.
Um gigante de 1,2 bilhão de habitantes – sendo 70% moradores de áreas rurais –, a Índia é, de acordo com o pesquisador, o país com menor renda per capta dos Brics e também possui gastos em saúde bastante baixos em termos comparativos. “Temos um sistema de saúde enorme, mas ele não é funcional e foi negligenciado nos últimos 30 anos por falta de orçamento ou por falta de interesse”, criticou. De acordo com Raman, cerca de 70% dos gastos dos cidadãos com saúde na Índia são desembolsados no setor privado, que, em geral, oferece serviços de qualidade inferior à do setor público. Nesse contexto, ele avalia que as parcerias público-provadas podem ser uma saída para ampliar o acesso à saúde e melhorar a qualidade dos serviços – isto se forem feitas a partir de contratos consistentes e tiverem acompanhamento permanente do setor público.
O pesquisador citou experiências bem-sucedidas e outras que não tiveram bom resultado e deu peso ao termo “parceria”, que segundo ele tem a ver com uma relação igualitária, com base de confiança mútua e em contratos bem estruturados. “Se os contratos forem bem elaborados a parceria pode vencer as imperfeições do mercado”, pontuou.
BRICS e Saúde
Em sua participação na mesa de abertura, a pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Jeni Vaitsman, explicou que o projeto coordenado por ela é uma investigação sobre possíveis alternativas para problemas em recursos humanos, acesso desigual, organização e provisão de serviços de saúde. Para a pesquisadora, a necessidade de construir sistemas que garantam o acesso universal à saúde é um problema que precisa ser enfrentado pelos Brics. “Particularmente entre África do Sul, Brasil e Índia pode-se notar uma renda média, mas extremas desigualdades sociais e em saúde. Por outro lado, esses países possuem sistemas democráticos, o que significa que é possível a participação social e o debate sobre soluções possíveis de serem implementadas”, avaliou.
Na visão do diretor geral do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fiocruz, Paulo Buss, o Brics é hoje a estrutura mais inovadora e promissora no cenário de crise econômica produzida nos países centrais do capitalismo. “Essas são crises periódicas que o capitalismo impõe à sociedade global para fazer o ajuste de tal maneira que se mantenham a concentração de renda e o poder das decisões políticas e econômicas na mão dos países centrais, basicamente Estados Unidos, seus aliados e países europeus. Esse grupo de países representa uma fratura nessa estrutura de poder, principalmente após a criação do Banco e do Fundo Monetário do Brics”, disse. Buss alertou, no entanto, para necessidade de se reduzir as desigualdades sociais e econômicas no Brics. “Temos déficits democráticos importantes e desigualdades econômicos e sociais, inclusive desigualdades em saúde”, lembrou.
Centro de Estudos Estratégicos
Também presente na mesa de abertura da conferência, o diretor do CEE, Antonio Ivo de Carvalho, afirmou que o Centro, em processo de construção, vem sendo concebido como espaço de identificação e articulação de conhecimento produzido pela Fiocruz e instituições parceiras. Em síntese, a proposta é divulgar e dar visibilidade a todo esse conhecimento, de forma a dinamizar o debate público. “A ideia é captar e articular estudos já existentes e apresenta-los à sociedade através dos meios de comunicação, inclusive os alternativos, como blogs e redes sociais”, explicou.
O presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, destacou o evento como um momento importante de consolidação do CEE, cujo papel já era visto como necessário desde a época do sanitarista Sérgio Arouca. Para Gadelha, uma questão crucial do Centro é trabalhar a prospecção estratégica. “Para ser uma instituição estratégica do Estado brasileiro, a Fiocruz precisa ter a capacidade de ter visão de longo prazo, de gerar evidências e construir cenários como instrumentos de ação política. Esse é um ponto que permeia o trabalho e não é à toa que um dos lastros da constituição do CEE é o projeto Brasil Saúde Amanhã, que já tem vários produtos voltados para uma visão do campo da saúde a longo prazo”, apo
Marina Schneider
Saúde Amanhã
18/11/2014