Que fatores políticos, sociais, econômicos e culturais podem explicar os fluxos globais de concentração ou distribuição de riqueza pelos quais passam os países e as populações? O economista Carlos de Aguiar Medeiros aponta as guerras massivas como pontos de inflexão para transformações sociais. O tema foi debatido dia 7 de julho, durante a 11a sessão do colóquio “Sobre a Guerra”, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), intitulada “Desigualdade social e distribuição da riqueza”. A iniciativa é coordenada pelo professor de Economia José Luís Fiori, colaborador da rede Brasil Saúde Amanhã e autor do capítulo “Ontem, hoje e 2030: tendências do sistema mundial — com ênfase na América do Sul”, que integra o volume “Desenvolvimento, Estado e Políticas de Saúde” do livro “A Saúde no Brasil em 2030: Diretrizes para a Prospecção Estratégica do Sistema de Saúde Brasileiro”.

O debate foi motivado pelo livro “The Great Leveller” (“O Grande Nivelador”, em tradução livre), lançado recentemente pelo  historiador austríaco Walter Scheidel, professor da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. “O livro aborda o papel da violência na distribuição de renda, a nível mundial. O autor parte de uma larga base de dados sobre a concentração de riqueza para propor uma discussão sobre as transformações de longo prazo que podemos esperar em nossa sociedade”, resume Medeiros. Scheidel defende que mudanças substantivas, que de fato levaram à redução de índices de concentração de renda, em diversos países, ocorreram em momentos muito específicos da História, marcados por choques violentos, como guerras, revoluções, pandemias e colapsos de Estados.

Medeiros afirma que esses acontecimentos são niveladores das desigualdades sociais. “As duas grandes guerras mundiais levaram a descontinuidades nos modelos de concentração de riqueza, gerando oportunidades de distribuição de renda. Foram parteiras de dois movimentos que podem explicar a redução das desigualdades: a sindicalização e o aumento do gasto social do Estado”, aponta o economista.

Para o professor, o atual contexto global de concentração de renda, que se reflete na realidade brasileira, é fruto das mudanças recentes que ocorreram no papel do Estado, em diferentes países. “Políticas redistributivas dependem das decisões dos governos e da pressão da sociedade. Em uma democracia burguesa, essas não são as prioridades. As guerras massivas, por sua vez, aumentam o sentimento de solidariedade, a preocupação com a totalidade da sociedade nacional e a intolerância às desigualdades sociais, o que fortalece as ações de distribuição de renda. Não ter passado por esses grandes choques levou o Brasil a consolidar níveis de concentração de renda e de riqueza extraordinariamente elevados”, completa.

O economista reconhece que a Constituição Federal de 1988 traz para o país alguns elementos do Estado de bem-estar social europeu, dentre eles, o direito universal à saúde, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). “Esta é uma herança das coalizões que levaram a medidas distributivas na Europa e um ativo importante para que o Brasil se torne um país mais justo e equânime. No entanto, assistimos, hoje, à disputa com planos de saúde ditos populares, que na verdade são caros, insuficientes e geram uma hierarquização social, dividindo os brasileiros entre os que podem e os que não podem pagar por planos de saúde. Este é um elemento ‘desigualizador’, do ponto de vista do acesso a um bem público universal, que seria a saúde de qualidade para todos. Sem dúvidas, reagir às medidas contrárias à Constituição Federal – como a Reforma Trabalhista, a da Previdência e a privatização da Saúde – é o melhor a ser feito para sustentar uma trajetória de crescimento menos desigual”, conclui Medeiros.

 

Bel Levy
Saúde Amanhã
12/07/2017