Para o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, estudos como os que vêm sendo desenvolvidos pelo projeto Brasil Saúde Amanhã podem ser grandes aliados na avaliação da eficácia de políticas públicas – atividade que, de acordo com ele, ainda precisa ser aprimorada no Brasil. Colaborador do projeto, o professor é autor do artigo inédito “Brasil Amanhã, Cenários Políticos”, que integrará o novo livro fruto do projeto. Nesta entrevista, ele expõe técnicas de prospecção estratégica e aponta características que o Brasil deve vir a ter no campo da política em 2030.

O senhor já participou de outros estudos prospectivos – um campo novo no Brasil. Quais as metodologias aplicadas a este tipo de pesquisa? 

Eu passei um período da minha vida pesquisando sobre estudos de análise prospectiva e cheguei a escrever, há muitos anos, para a Enciclopédia Barsa, um artigo sobre o tema com o título “Futuros prováveis possíveis”. Neste trabalho, eu apresento as diferentes técnicas desenvolvidas nos estudos de prospecção. A mais simples é a extrapolação de tendências estatísticas. Nela, o pesquisador verifica o que aconteceu nos últimos tempos e projeta para “x” anos à frente o que deve estar acontecendo. Outra técnica – mais elaborada e qualitativa – é a construção de cenários.

Há, ainda, o método de Delfos, que eu gosto muito. Utilizando esta técnica eu fiz uma pesquisa sobre a abertura política, em 1974. O estudo consistiu na submissão de algumas perguntas a um grupo de juízes. Depois, fizemos uma segunda rodada, mostrando para cada um deles as respostas dos outros. Apresentamos a resposta mediana e perguntamos novamente a questão apresentada na primeira rodada. O objetivo é reduzir os desvios.

Outro método chama-se desencadeamento. Por exemplo, pensando o Brasil em 2015, como se chegou ao estado presente de mortalidade infantil? Você retoma a política da época anterior e seus efeitos. Resumindo: se tomarmos uma ou outra direção, o que acontecerá? Esta avaliação não é necessariamente em termos numéricos, mas deve ser também em termos numérico, sempre que possível. Há um parentesco. E há vários outros modelos.

Como o senhor avalia a metodologia adotada pelo projeto Saúde Amanhã? 

É muito interessante a proposta da Fiocruz, com a qual tive contato no primeiro volume do livro [A Saúde no Brasil em 2030], que utilizou a extrapolação de tendências estatísticas. Esta técnica supõe que as causas que estão produzindo a situação atual continuarão as mesmas e produzirão os mesmos resultados. Há uma pressuposição conservadora de que as relações causais substantivas e subjacentes continuarão operando da mesma maneira na sociedade. A ideia é que, primeiro, as causas continuarão sendo as mesmas e, segundo, continuarão tendo os mesmos efeitos. É uma abordagem inicial para se ter mais ou menos uma ideia do que viria a acontecer no futuro. Chama-se de surprise-free scenario – cenário livre de surpresas. Ou seja: se tudo permanecer operando como tem acontecido até agora assim será daqui a 20 anos. A única variável é o tempo.

Como os estudos de prospecção estratégica podem contribuir para o planejamento de políticas públicas e para melhorar o sistema de saúde? 

De duas formas: primeiro, eles promovem a circulação de informação e conhecimento. Em segundo lugar, podem auxiliar na verificação da eficácia das políticas públicas. Há, ainda, a possibilidade de, a partir dessas avaliações, elaborar novas prospecções. É como se tivéssemos o método de Delfos no tempo, o que tornaria possível corrigir as políticas sempre, também ao longo do tempo.

O circuito de informações que está ocorrendo na sociedade é absolutamente imprescindível. O que significa que o sistema de informação privado – jornais, revistas – tem que ser confiável. Um governo não tem como saber o que está acontecendo no país inteiro. Obviamente, só quem está nos locais sabe. Há o jornal local, os regionais e os centros maiores captam o que é mais importante e reproduzem, até chegar aos jornais de abrangência nacional. É uma cadeia de informação que não só capta, como filtra o que é mais relevante – e isso é imprescindível em um país desse tamanho. A densidade populacional muito elevada, por exemplo, é muito favorável para a difusão de epidemias, para contágios. Mas contágios podem ser para o mal ou para o bem. A informação, por exemplo, circula com muito menos custos em áreas densamente povoadas. Esse circuito da informação é fundamental.

Por outro lado, estudos desse tipo são importantes porque é possível fazer uma metodologia de mensuração da eficácia das políticas. Lembrando que eficácia é diferente de eficiência: eficiência é se o que tinha para se fazer foi realizado no tempo certo, com os custos apropriados. Eficácia é se o objetivo que se queria obter com aquela política foi alcançado ou não. É preciso ter metodologia para medir essa eficácia. No Brasil, em grande medida, a avaliação de políticas públicas ainda é feita apenas através de análise orçamentária, verificando-se quanto foi gasto, se foi gasto no tempo previsto… Em resumo, é a análise do Tribunal de Contas da União (TCU), que é um órgão vinculado à Câmara dos Deputados, ou seja, é do Legislativo, não é do Governo Federal. O TCU deveria fazer análises de eficácia, avaliar se as políticas obtiveram o que desejavam obter. Há muitas políticas públicas em que as premissas são de boa vontade, mas que não chegam aos seus objetivos e, por isso, é necessário retificá-las. Mas só é possível retificá-las se há uma deficiência apontada, algo que o TCU, por exemplo, não proporciona.

O que o senhor poderia destacar sobre o estudo que será publicado pela Editora Fiocruz? 

As projeções sobre a população são as mais seguras. No estudo, fizemos a extrapolação da estatística em função do crescimento da última década; a taxa de crescimento populacional está mais ou menos estabilizada em torno de 1,2. Isso dificilmente isso vai se alterar, exceto haja uma causa extraordinária.

Do mesmo modo, a projeção do eleitorado é estável, porque o crescimento eleitoral daqui para frente tende a ser bastante lento. Considerando o cenário demográfico previsto para 2030, a proporção de eleitores não ultrapassa 80% da população brasileira, porque há sempre os que não votam ainda e aqueles que não votam mais. Isso não é pouca coisa. Será um eleitorado brutal, maior do que a população de todos os países da América do Sul somada.

Esta é uma nova tendência. Nos últimos 30 anos, a quantidade de eleitores potenciais na população brasileira era enorme. A partir da ditadura – o que é algo interessante – o número de eleitores cresceu extraordinariamente devido à competição entre os dois partidos: Aliança Renovadora Nacional (Arena) e Movimento Democrático Brasileiro (MDB). A situação (Arena) afirmava que se vivia em uma democracia, tanto assim que existiam eleições, e o que justificava o governo era vencer as eleições. Como a oposição dizia que não aceitaria o resultado dessas eleições, queria vencê-las. Com isso, MDB e Arena partiram em uma conversão eleitoral sem paralelos na história das democracias. E isso se dá no Brasil dentro de um contexto ditatorial! A taxa de crescimento do eleitorado nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste era em torno de 600%, o que não tem nada a ver com o crescimento da população. Mas isso acabou e hoje há aproximadamente 70% da população adulta eleitora.

No artigo, o senhor trata também de outras variáveis, como a urbanização e a ocupação da população. Quais são os cenários sobre isso? 

A taxa de urbanização no Brasil já é excelente, superior à da China, da Rússia e a de vários outros países, exceto aqueles pequenos países europeus que não têm campo. Temos uma taxa bastante razoável no Brasil e as áreas de maior desenvolvimento estão inclusive sobre-urbanizadas. No artigo, eu verifiquei a taxa de urbanização no Brasil hoje e, com base na população projetada para 2030, projetei a população urbana. Isso é simples, pois não há nenhuma causalidade que não seja mecânica: a população cresce porque a taxa de fertilidade é “x”. O eleitorado cresce porque a população com mais de 18 anos cresce.

Já a partir do problema das organizações e das comunidades políticas, questões interessantes aparecem. A organização social do trabalho é a base sobre a qual se criam os grupos de interesse. As organizações são um filtro de interesses que estão segmentados e dispersos na sociedade. Mas como esses interesses também são difusos, o número de organizações é muito grande. As mudanças na divisão social do trabalho são imprevisíveis porque ela é resultado da evolução tecnológica e da incorporação da tecnologia no processo da produção material e, para isso, não há estatística possível.

Novamente, o que podemos fazer é verificar o número de associados a entidades não institucionalmente políticas [que não são partidos] como uma proporção da população ativa e supor que haverá a mesma proporção no futuro. Isso é extremamente frágil. Não tem comparação com o grau de confiança que você pode obter no caso das variáveis que abordamos anteriormente. Porém, como é possível superar isso em um trabalho como o que eu fiz? Admitir que esta seja a projeção apropriada e pensar quais problemas isso coloca para a formulação e implementação de políticas públicas. O tipo de problema será o mesmo, com maior ou menor intensidade, dependendo do grau de acerto que essa projeção anterior proporcionou. Eu não me aprofundo na tentativa de aprimorar a projeção dessas duas variáveis – divisão do trabalho e organizações para-políticas – porque eu englobo isso no tratamento posterior em que analiso como tende a ser o processo político em 2030.

E quais cenários o senhor aponta? 

O do jogo “estável” – crescimento estável da economia com igual distribuição de renda, em que os parâmetros e variáveis em causa aumentam de valor bruto, sem que seja alterada a posição relativa dos grupos participantes. O do jogo de “soma em expansão”, um cenário positivo em que há uma distribuição mais proporcional de renda – e a luta por essa distribuição depende dos partidos e das organizações, que podem alterar essa distribuição. E há o cenário com o jogo de “soma negativa”.

Marina Schneider
Saúde Amanhã
02/02/2015