No próximo dia 10 de julho reúne-se em Nova York o Fórum Político de Alto Nível da ONU para mais uma rodada de discussão sobre a Agenda 2030 e seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), acordados por quase 200 países – entre eles o Brasil. O encontro serve para monitorar e avaliar os avanços do acordo, que em sua declaração oficial afirma que os governos devem alcançar um desenvolvimento “sustentável nas suas três dimensões – econômica, social e ambiental – de forma equilibrada e integrada” até 2030. Há, no entanto, questões de fundo sobre modelo de desenvolvimento que não estão sendo observadas e comprometem o cumprimento da Agenda 2030.

Uma dessas questões é o papel dos Estados nacionais. Eles têm se mostrado cada vez menos capazes de mediar os diversos interesses da sociedade e estão sendo progressivamente desbancados pelos grandes conglomerados empresariais, que ditam regras, definem prioridades e influenciam as agendas político-econômicas. O saldo não é promissor: destruição de políticas de garantia dos direitos humanos, de combate às desigualdades e promotoras de justiça social – justamente o que o mundo decidiu eliminar até 2030. Um paradoxo e tanto, que a Agenda 2030 não dá conta de resolver.

No Brasil, as condições para o cumprimento dos compromissos assumidos na Agenda 2030 se deterioraram bastante desde 2016, quando Temer e seus aliados resolveram impor ao país uma política de austeridade sem precedentes no mundo, com um duro teto para gastos sociais, cortes orçamentários de mais de 50% em diversos órgãos e reformas que aprofundam a exclusão social e ampliam desigualdades.

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) têm feito uma série de análises socioeconômicas sobre a situação brasileira, e na mais recente – “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil e no mundo: Utopia ou Distopia?” – avalia que fundamentalmente nenhum dos Objetivos de Desenvolvimento Social (ODS) serão implementados adequadamente no país devido à adoção de tal agenda de retrocessos.

“A questão de fundo, portanto, não diz respeito à incapacidade das políticas públicas e das instituições do poder executivo atuarem para cumprir os ODS. A questão é de ordem política e orçamentária, e diz respeito à profunda falta de compromisso político do atual governo com o adequado financiamento para o desenvolvimento por meio da execução das políticas públicas que estão prometidas no Plano Plurianual (PPA) e também nos ODS. A falta de compromisso, por sua vez, é uma expressão das escolhas de políticas econômica e fiscal e de desmonte do Estado democrático de direito. Nesse contexto, a implementação de grande parte, para não dizer da totalidade, das políticas que estão no PPA, e que são fundamentais ao cumprimento dos ODS, está severamente comprometida.”

Segundo a análise assinada pelas assessoras Alessandra Cardoso, Grazielle David e Iara Pietricovsky (do Colegiado de Gestão), que pode ser lido aqui na íntegra, essa agenda adotada no Brasil é a ponta de um iceberg corporocrata que vem estendendo seu poder sobre governos locais, nacionais e internacionais.
“Hoje, é fato corriqueiro e naturalizado ter as corporações com assento nas negociações das Nações Unidas, por exemplo, assessorando o Secretário Geral e participando ativamente dos Acordos Internacionais. Fato concretizado com a criação, em 2007, do Global Compact, que cresceu em sua força política e em sua participação financeira. O fenômeno inverte-se com as representações dos países que vão perdendo capacidade e poder de decisão. O que temos portanto é uma ONU capturada pelas corporações financeiras e submetida aos interesses e ameaças dos países mais ricos. Não à toa, vemos a era Trump dar seus primeiros passos com ameaças de corte de financiamento às instituições multilaterais, entre elas a ONU.

Do lado político, vemos os processos democráticos sendo solapados por essa lógica econômica, gerando desemprego, perda sucessivas de direitos conquistados em décadas de lutas, migrações forçadas causadas pela crise climática e pela guerra, entre outros. Os países que experimentaram a social democracia depois de uma violenta Segunda Grande Guerra Mundial, e que inspiraram, em grande medida, a democratização e a incorporação dos direitos humanos em grande parte dos países em desenvolvimento, começaram nos últimos anos a cortar direitos sociais, a promover políticas de austeridade, fechamento das fronteiras e discriminação generalizada.”

Essa agenda ultra-neoliberal foi imposta no Brasil como parte de um acordo político que promoveu um golpe institucional em 2016. Os novos governantes, com apoio de um dos Congressos mais conservadores dos últimos 50 anos, “implementaram então, em velocidade acelerada, a desconstrução do frágil Estado democrático de direito iniciado após o fim da ditadura militar no país (1964-1985)”.

A primeira “encomenda” entregue à elite econômico-financeira que deu sustentação ao golpe foi a aprovação da chamada “PEC do teto”, a Emenda Constitucional 95, que congela em termos reais os gastos primários por 20 anos – algo que nenhum país do mundo jamais fez. A medida entrou em vigor a partir de 2017, e tem na sua essência o papel de limitar despesas com políticas públicas e programas sociais para liberar recursos para pagamentos de juros, priorizando o sistema financeiro em vez dos cidadãos brasileiros.

Além do corte brutal nas despesas primárias, o governo federal deu outro duro golpe nas políticas públicas importantes no combate à pobreza e desigualdades sociais do país, contingenciando em março deste ano mais de R$ 40 bilhões no orçamento público federal. Isso atrofiou ainda mais os gastos públicos, que poderiam evitar a perda de (mais) direitos e promover uma retomada econômica. O corte de mais de R$ 40 bilhões é realizado sobre despesas discricionárias, que garantem a execução de várias políticas públicas, de ação afirmativa e enfrentamento da desigualdade racial, políticas para povos indígenas e quilombolas, para mulheres, jovens, idosos, de preservação do meio ambiente e vigilância em saúde e assistência farmacêutica, entre outros. “Logo, os efeitos reais do contingenciamento serão sentidos em especial pela população mais pobre que mais necessita da presença do Estado.”

Mas no pacote de maldades sociais do governo atual cabem mais ações contra a promoção de direitos dos brasileiros. Além do teto dos gastos primários e corte profundo nas despesas discricionárias, sempre preservando intacto os volumes de recursos destinados a pagamento de juros financeiros, o governo federal pretende ainda promover uma ampla reforma da Previdência Social, que dificultaria o acesso de milhões de brasileiros a recursos básicos para sobrevivência. Dos 33,5 milhões de benefícios pagos pelo Regime Geral da Previdência e a Assistência Social, 23 milhões tem valor igual ou menor do que um salário mínimo (hoje em R$ 937) – e serão justamente esses os mais atingidos pela Reforma. No segmento rural e no Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC), praticamente 100% dos benefícios correspondem ao piso do salário mínimo; no segmento urbano, esse percentual é de 56,7%. Como se vê, sem esses benefícios, o cumprimento do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 1, que é a erradicação da pobreza, fica impossibilitado.

Outros fatores críticos afastam ainda mais a possibilidade de o Brasil cumprir a Agenda 2030, como o crescimento do desmatamento, que vem colocando o país em uma posição crítica no enfrentamento da mudança climática e seus compromissos assinados no Acordo de Paris, e o desemprego que hoje está em 13,8%, um obstáculo gigante na luta para erradicar a pobreza.

A radicalização neoliberal do governo Temer e sua opção por usar os mecanismos de Parcerias Público Privada (PPP) como forma de enfrentar a falta de dinheiro público nos coloca um problema ainda maior que a redução do papel do Estado, por ser moldado à conveniência e usufruto somente das classes ricas e de poder. O Estado capturado pelos interesses privados ou moldado para servir a seus interesses levam à destruição da ideia de República, do Estado democrático de direito e de uma visão que defende a justiça ambiental e social e o bem comum.

 

 

Fonte: Inesc