É imprescindível criar uma base produtiva nacional que fortaleça o Complexo Econômico e Industrial da Saúde (CEIS) e atenda às necessidades da população brasileira”. A orientação é da diretora de Gestão da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Karla Santa Cruz Coelho. Nesta entrevista, ela defende a alocação de investimentos em infraestrutura tecnológica e em qualificação de recursos humanos como estratégia para garantir a sustentabilidade do sistema de saúde brasileiro em longo prazo. “É fundamental que o Brasil consiga nacionalizar o desenvolvimento e a produção de órteses, próteses e materiais especiais, de modo a não depender do mercado estrangeiro”, avalia.

 Do ponto de vista da Saúde Suplementar, qual a importância da realização de estudos de prospecção estratégica, como os desenvolvidos pela rede Brasil Saúde Amanhã?

O olhar para o futuro e o diálogo são fundamentais para que a gente possa definir em que direção é preciso avançar. Por isso, os estudos desenvolvidos pela rede Brasil Saúde Amanhã são valiosos não só para a Saúde Suplementar, mas para o setor Saúde como um todo. Por exemplo, a partir dos resultados das pesquisas de prospecção estratégica, podemos identificar a tendência de envelhecimento populacional e nos preparar para melhor responder às demandas decorrentes deste processo, que certamente trará novos desafios para a Cardiologia e a Ortopedia, assim como para a produção e disponibilização de órteses, próteses e materiais especiais. Além disso, iniciativas como esta nos permitem integrar as prioridades dos sistemas de saúde e identificar que caminhos devemos seguir para atendê-las. Para isso, é imprescindível uma abordagem multidisciplinar e interinstitucional, envolvendo o Estado, a Academia e o setor produtivo nacional. Só assim será possível, efetivamente, discutir as melhores alternativas para o desenvolvimento do CEIS e o aprimoramento do sistema de saúde.

 Quais os impactos do envelhecimento da população para o sistema de saúde e para o setor de Saúde Suplementar?

O envelhecimento da população é um indicador positivo sobre a melhoria da qualidade de vida no Brasil. Mas, além de viver mais, é preciso viver melhor. E, junto com o envelhecimento da população, uma série de outros fatores vêm à tona: sedentarismo, obesidade,doenças osteoarticulares, acidentes, traumas. Tudo isso aumenta a necessidade de uso de dispositivos médicos, como órteses e próteses, que auxiliam ou substituem membros e órgãos. São alternativas que trazem benefícios concretos para pessoas que estão envelhecendo e que apresentam ou irão desenvolver doenças crônicas. É fundamental que o sistema de saúde esteja preparado para lidar com o aumento da expectativa de vida da população, para que possa garantir melhor qualidade de vida a todo esse contingente de idosos que precisará conviver com doenças e condições de saúde crônicas.

 Diante das novas demandas que surgirão, o que pode ser feito no presente para que, no futuro, seja possível garantir a universalidade e a equidade do sistema de saúde?

São essenciais iniciativas como a da rede Brasil Saúde Amanhã, que reúne diferentes instituições e especialistas para discutir os rumos do sistema de saúde em longo prazo. É preciso ter um olhar integral sobre o cuidado em saúde e buscar garantir o acesso da população às novas tecnologias que estão surgindo. Neste sentido, é fundamental que o Brasil consiga nacionalizar o desenvolvimento e a produção de órteses, próteses e materiais especiais, de modo a não depender do mercado estrangeiro. Temos um corpo técnico de excelência no Brasil, mestres e doutores que dominam as novas plataformas de inovação tecnológica, e é preciso concentrar esses esforços no país e aumentar o número de pessoas envolvidas, de projetos em desenvolvimento, de artigos indexados, de moléculas sintetizadas e de patentes depositadas. Portanto, é estratégico que nos próximos anos o Brasil invista na formação de recursos humanos altamente qualificados e no desenvolvimento de equipamentos e tecnologias nacionais. O Estado deve ter um papel preponderante neste processo, para que os esforços realizados venham, realmente, atender as demandas nacionais. É preciso olhar para a nossa população, para as suas características epidemiológicas, e identificar as prioridades de pesquisa e financiamento.

 Qual o papel do CEIS neste processo?

É imprescindível criar uma base produtiva nacional que fortaleça o CEIS e atenda as necessidades de saúde da população brasileira. Neste sentido, é preciso discutir como o CEIS pode ser reorientado ou redesenhado para que siga os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) – e não somente os interesses do mercado. Somente desta forma será possível garantir o acesso universal e atender as necessidades da população brasileira.  Não podemos esquecer: o Brasil vive uma situação econômica delicada, em que é preciso equilibrar o elevado gasto público com Saúde e o subfinanciamento crônico do setor. Então é muito importante que novos investimentos sejam pensados e discutidos a partir desta ótica, levando em conta os impactos de curto, médio e longo prazo para a sociedade.

A função do Governo Federal e do Ministério da Saúde, neste caso, é dar o direcionamento para que seja possível desenvolver tecnologias nacionais e potencializar o corpo técnico da Saúde. Além de desenvolver novas tecnologias, é preciso garantir que elas sejam de fato incorporadas ao sistema de saúde. Para isso são necessários estudos de longo prazo sobre o efeito desses novos recursos, para que seja possível avaliar se o alto investimento requerido nesses processos trará, realmente, um retorno para a população.

 Em longo prazo, que desafios esta dinâmica trará para a regulação da Saúde Suplementar?

Há uma gama de mecanismos regulatórios vigentes e em muitos aspectos ainda é preciso avançar. Em termos de dispositivos médicos, o Ministério da Saúde lançou, em 2015, um importante relatório que envolveu duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), uma da Câmara dos Deputados e outra do Senado, e enfatizou ações prioritárias, como a disseminação de mais informações, a garantia de transparência dos processos, a definição de nomenclaturas mais claras, o maior detalhamento de diretrizes e a regulação econômica.

O documento aponta, também, a necessidade de aprimorar a área assistencial e a organização do cuidado em Saúde. São questões importantes, a que devemos nos dedicar nos próximos anos. Como desdobramento, serão formados grupos de trabalho que irão identificar quais são os vazios de regulamentação que permanecem no país e quais os mecanismos que prejudicam o desenvolvimento nacional de tecnologias e que, portanto, precisam ser reformulados. O acesso às informações referentes ao sistema de saúde – e à Saúde Suplementar – é imprescindível para tal.

 Quais as perspectivas para as Parceiras para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) no horizonte dos próximos 20 anos?

Sem dúvidas este é um tema que irá requerer atenção do Estado e da Academia nas próximas décadas. São linhas de pesquisa ainda muito incipientes e será preciso discutir caso a caso. Como ponto de partida, uma alternativa é começar a trabalhar com grandes linhas de pesquisa, que abarquem um conjunto de projetos portadores de futuro, com potencial para o desenvolvimento científico e tecnológico do país. Em um segundo momento poderemos desenvolver algo mais objetivo, focado em temas e projetos específicos. Dentre as grandes áreas a serem priorizadas estão a Tecnologia da Informação, a Biologia Molecular, a Biotecnologia, a Nanotecnologia.

Nesse processo, é fundamental a interação das universidades e centros de pesquisa com o SUS, pois à medida que identificamos as necessidades de saúde da população é possível criar novas instituições de ensino, cursos e pesquisas voltados para essas demandas. O que observamos, atualmente, é que grande parte dos pesquisadores formados no Brasil acaba migrando para outros países, levando consigo a sua expertise e a sua potencialidade de gerar novos conhecimentos e tecnologias para a Saúde. É preciso reter esse potencial científico e tecnológico no país. A estratégia, portanto, é investir em recursos humanos não apenas para atendimento à população na ponta do sistema de saúde, mas também para o desenvolvimento de uma indústria nacional na área. É preciso investir no desenvolvimento de competências e habilidades para que o país tenha uma massa crítica de pessoas que trabalhem na área de fronteira tecnológica, com a infraestrutura necessária para realizar suas pesquisas no país.

Bel Levy
Saúde Amanhã
04/04/2016